Como não fazer um acordo

Quando procuro o advogado da outra parte para propor um acordo, eu sempre me preocupo com a forma pela qual iremos construi-lo. Em tempos do “Conciliar é Legal” – slogan do Poder Judiciário em incentivo às práticas conciliatórias -, é comum dar-se mais importância ao acordo do que ao processo de sua construção, porque, muitas das vezes, o objetivo costuma ser o de encontrar caminhos rápidos para o escoamento de processos existentes que se amontoam nas prateleiras dos cartórios. O acordo, assim, é construído em detrimento do seu conteúdo, dos verdadeiros interesses das pessoas envolvidas e da sua real possibilidade de cumprimento. Quanto mais acordo, menos processos para julgar.

“Tem proposta de acordo, doutora?” Costumava perguntar o conciliador, assim que me sentava à mesa da sala de audiências.

Diante da negativa de uma das partes, ele alertava:

“O juiz desta vara é bastante rígido. É melhor fazerem um acordo....”

As partes, constrangidas pela ameaçadora sentença, acabavam por fazê-lo aos trancos e barrancos, por meio de concessões e barganhas, escondendo o jogo para tirarem vantagem.

E, durante muito tempo, foi assim. Fomos acostumados a negociar desta forma: a negociar mal.

Há cerca de um ano, entrei em contato com a advogada do Pedro, ex-marido da Silvia, minha cliente.

Silvia queria formalizar a separação. Sua história era parecida com a de muitos outros casais: depois de um longo namoro na adolescência, vieram o casamento, os filhos, a aquisição de patrimônio, a separação. No meio disso tudo, muitas alegrias e frustrações.

Queria fazer um acordo, porque seria “o melhor para as crianças”, ela dizia. Contou-me os motivos da separação e a forma como gostaria de resolver as questões ligadas à guarda e convivência das crianças com o pai, aos alimentos e à partilha de bens.

De todas as questões que envolviam o acordo, a da partilha de bens me parecia a que talvez tivéssemos alguma dificuldade de resolver. Minha cliente me disse que a casa onde moravam, de propriedade comum do casal, na realidade havia sido parcialmente adquirida com o dinheiro que seu pai tinha lhe dado. Mas não havia provas dessa doação... Silvia me contou que Pedro sempre falava que, caso um dia viessem a se separar, ela teria direito a uma quota-parte maior, por uma questão de justiça.

“Tem certeza de que Pedro concordará com isso?” Perguntei.

“Claro, doutora! Acredito que ele tenha palavra! Ele prometeu isso ao meu pai!”

Pois bem. Depois de me apresentar à advogada de Pedro, sugeri uma reunião para que todos nós pudéssemos pensar juntos sobre as cláusulas do acordo. Dra. Sueli não concordou. Disse que não seria necessário, pois conseguiríamos tratar tudo por telefone ou por e-mail. Além do mais, ela não tinha tempo para isso, dizia... Eu concordei, mas desconfiando da qualidade do acordo a que iríamos chegar. Acredito no potencial do contato físico e visual na construção de consenso, que os interesses por trás das posições podem às vezes transparecer num gesto corporal, num desvio de olhar, num tom mais alto ou baixo da voz, ou no próprio silêncio. Ou seja, o que a Dra. Sueli propunha era uma clássica negociação a ser realizada entre dois advogados.

Quando sugeri que 70% da casa ficasse com Silvia, Dra. Sueli quase teve um filho:

“A Doutora só pode estar brincando! A lei diz que a casa deve ser partilhada em partes iguais entre os dois. Vocês não têm provas desta doação! Se formos a litígio, a doutora sabe que irão perder...”

“Não estou falando de lei, mas do que nossos clientes entendem sobre o que seja justo...”

“Doutora, me desculpa, mas como advogada do Pedro, não vou aconselhá-lo a fazer esse acordo!”

“Peço apenas que verifique isso com seu cliente, Dra. Sueli. Silvia me garantiu que Pedro concordaria, pois se trata de um acordo feito entre o casal há muito tempo...”

Muito contrariada, Dra. Sueli foi ter com Pedro. Passados alguns dias, ela me ligou muito aborrecida, dizendo que Pedro havia concordado com a nossa proposta apesar dela ser absolutamente contra. “Que fique registrado isso!”, reiterou.

Depois disso, Dra. Sueli fez jogo duro com todas as nossas outras propostas, dizendo que Pedro não concordava com elas...

Eu nunca vi o Pedro. Não escutei a sua voz, não conheci suas necessidades e seus interesses. Desta forma, me prendia aos interesses e necessidades de minha cliente e Dra. Sueli aos do seu. No fim, conseguimos compor um acordo. Aos trancos e barrancos, barganhando e fazendo concessões...

Pouco tempo atrás, Silvia me procurou e disse que estava muito insatisfeita. Falou que havia várias questões ainda não resolvidas, sobre as quais ela não tinha me contado... com as quais eu não tive a oportunidade de fazer contato, em virtude mesmo do processo de construção do seu acordo.

Então, sugeri a mediação.

Ela concordou.

E Pedro? Bom, estamos esperando a sua ligação...

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