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O conflito e sua escalada. Possível equilibrar?*

Outro dia fui surpreendida por uma pessoa que, aproximando-se de mim, perguntou: você não é uma das blogueiras que fala de conflitos e de uma tal de mediação? Apresentamo-nos e respondi que sim, que eu era uma das 9 (nove) blogueiras do Mediando Poraí. Ela, conforme quis se identificar, se apresentou como Berê.


Um pouco mais de conversa que vai e conversa que vem, acabou me contando a estória de um conflito que vinha se desenrolando, ao longo de um ano, com pessoas amigas. Dizia estar “assistindo de camarote” os vários acontecimentos entre elas, “sem conseguir encontrar uma saída para a situação”.


Após o relato, quis saber qual seria a melhor solução para tamanho desentendimento. Perguntei-lhe se gostaria que escrevesse sobre a sua estória no Blog para vermos se alguns leitores**, quem sabe, tivessem passado por situações semelhantes, ou mesmo, que imaginassem possibilidades para lidar com as questões apresentadas e pudessem interagir, não no sentido de lhe responder o que seria a melhor coisa a fazer, mas para compartilhar o que foi melhor para eles. Com isso, outros caminhos poderiam ser abertos para vislumbrar a variedade de portas que se apresentam ao lidarmos com um conflito.


Berê, levantando as sobrancelhas, abriu um largo sorriso e disse: Amei a ideia! Vendo aquela animação toda, de repente me assustei com a expectativa que poderia estar gerando e, imediatamente, observei sobre a possibilidade de não termos retornos. Por fim, sosseguei com a expressão que ouvi: “só o fato de ter contado fiquei aliviada”. Entendi, então, que estava muito difícil e pesado para ela ‘equilibrar’ a convivência com cada amiga, buscando manter uma relação com todas.


Em meio ao relato, algumas pontuações e reflexões fizeram parte da nossa conversa, entre elas, se a saída que não conseguia encontrar dizia mais respeito ao conflito entre as amigas ou ao seu próprio, de estar entre “fogos cruzados” nessas amizades. A outra reflexão que poderia ‘lincar’ com essas, seria a de se perguntar, ou se já havia perguntado, se as pessoas envolvidas tinham interesse em buscar saídas para o que ocorria. Afinal Berê parecia estar levando em conta prioritariamente a sua percepção da estória.


Com relação à pergunta sobre qual a melhor solução, lhe respondi que poderiam ser tantas quantas as que fossem apresentadas, mas que ainda assim, seriam apenas proposições, sugestões, opiniões, tendo em vista que para ser a melhor, na minha visão de mundo e como mediadora ‘encarnada’, seria aquela em que os próprios participantes do conflito descobrissem. Melhor ainda, através de uma solução pensada em conjunto, uma saída conjunta.


Imagino que os nossos leitores talvez já estejam impacientes para saber qual a estória afinal e, desde já, os alerto que não é algo extraplanetário, trata-se de questões que com quase toda a certeza, em algum momento, já nos deparamos no nosso dia a dia: vivenciando, observando, testemunhando e outros ‘andos’ que couberem.


No entanto, apesar de parecer tão corriqueira, vem envolvendo muitas pessoas e já repercutiu em diferentes membros das famílias, incluindo as gerações de filhos, adolescentes e crianças. Dependendo da lente com que se olhe, ao minimizar e supor que ‘é uma coisa à toa’, a meu ver, seria deixar de perceber as consequências que esse modo de interação pode produzir na qualidade de vida de cada um.


Apesar do relato desta estória específica não ter surgido de uma mediação, considero importante observar que, assim como acontece na mediação, o objetivo do relato não é o de perceber ou descobrir quem tem ou não razão, quem está certo ou errado ou, ainda, quem é “o mocinho e o bandido da estória”. Conclusivamente, a mediação não trabalha com este prisma dos relatos, conforme se espera poder ser percebido nos diferentes posts deste Blog.


Eis a história:

Mabel (64 anos) e Josi (45 anos), vizinhas de rua, criaram uma proximidade gerada pelos anos de convivência e pelas circunstâncias e necessidades da vida, muitas compartilhadas por ambas.


Bia (35 anos) é a filha de Mabel, que em razão de trabalhar em casa e gostar muito de crianças, se prontificou a ajudar a cuidar da filha mais nova de Josi, Juliana, hoje com 7 (sete) anos de idade.


Mabel há alguns anos recebe em sua casa, na Semana Santa, sua prima Perpétua (49 anos) e a filha adolescente de 13 anos, vindas de outro estado.


Um conflito entre Perpétua e Josi teria surgido, segundo o relato, a partir da insistência de Josi em querer saber sobre a vida pessoal e amorosa de Perpétua, sua separação e quanto seu ex-marido contribuía de ‘pensão’ para a filha. O conflito aumentara quando Josi teria sondado Carla, filha de Perpétua, sobre essas questões, vindo esta, a saber, pela filha, na sexta-feira Santa, antes de Josi chegar com o marido e a filha Juliana para o almoço planejado na casa de Mabel e Bia.


Perpétua, segundo o relato, costuma dizer “tudo o que pensa” quando não gosta do que fazem com ela e não se inibiria de partir para um enfrentamento.


Ainda de acordo com o relato o almoço não aconteceu. Não como planejado por Mabel e Bia que o prepararam. A situação se agravara ainda mais quando Josi e Perpétua começaram uma forte discussão, culminando por Josi perguntar à sua amiga Mabel (de quem esperava apoio), se não iria pedir à Perpétua para se calar. Mabel teria respondido que não, pois considerava que sua prima estava com a razão. Ao ouvir isso, Josi, acompanhada de seu marido, teria chamado sua filha e saído, não permitindo mais que Juliana voltasse a ficar na casa de Bia e Mabel, aonde ia todos os dias.


Após essa ocorrência Juliana passou a se mostrar triste e abatida, sem conseguir comer. A médica teria indagado à mãe sobre algo que poderia ter ocorrido ou estar ocorrendo com Juliana, pois os exames realizados não apontavam para nenhuma causa física/ orgânica. A partir, daí Josi tomou a decisão de voltar a permitir a ida da filha para a casa de Bia e Mabel, cessando em seguida os sintomas da criança.


Há mais ou menos um ano Josi não fala com Mabel e Bia e vice-versa, o mesmo ocorrendo na relação entre Perpétua e Carla com Josi e vice-versa.


Outras pessoas estariam ainda envolvidas nesse conflito, denotando sua propagação e recrudescimento, o que se costuma chamar de “escalada do conflito”, que é justamente o seu agravamento progressivo. A própria estória nos mostra características dessa escalada, entre elas: (i) o tema inicial que teria derivado o conflito, passando a incluir outros assuntos, ampliando a disputa; e (ii) o número de pessoas envolvidas na situação tendendo a aumentar.


Voltando agora à Berê e, no intuito de auxiliá-la em suas reflexões, emprestamos de William Ury, renomado especialista em negociação e mediação, 3 (três) de suas 5 (cinco) recomendações como exemplos que podem vir a deter a escalada e orientar quem está em disputa, para uma solução negociada de um conflito: (i) Não reagir a “provocações”. Reações imediatas tendem a ser negativas, alimentando a espiral do conflito. É bem vindo para esse objetivo planejar com calma e cuidadosamente uma resposta, afastando-se do impacto emocional causado; (ii) Passar ao lado dos obstáculos em vez de se envolver neles. O uso da escuta ativa apazigua sentimentos negativos (ver o post de Barbara Brandão – “O tempo de cada um” em Mediando Poraí); (iii) Perguntar “por quê?”, “por que não?” para buscar que a outra parte saia de suas posições – ideias rígidas que parecem não mostrar ‘saídas’ para a questão***.


Por fim Berê agradeceu a oportunidade de compartilhar sua estória e sugeriu que este também poderia ser um canal para outras pessoas, como ela, buscarem ideias para pensar /repensar os conflitos que surgem no dia a dia.


* Os nomes, assim como outros elementos do enredo, foram propositalmente modificados e/ou inventados, com vistas não só a garantir o anonimato dos personagens mas, também, buscar novas formas de interação com os leitores/ as leitoras.

** Para propiciar maior fluência do texto e prevenir possível exaustão na repetição, será evitado a partir deste parágrafo utilizar as inflexões de gênero solicitando às nossas leitoras e nossos leitores que as considerem como aqui exemplificado em itálico.


*** Baseado no texto do O Blog de Desenvolvimento Pessoal e Profissional


Photo by Deniz Altindas on Unsplash

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