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Uma audiência, a (falta da) advocacia colaborativa e o barco parado

Eu sabia que seria uma audiência difícil. Já na entrada pude sentir a atmosfera de tensão que estava no ar. As partes chegaram. Uma delas estava acompanhada pelo seus advogados e a outra seria assistida pela Defensoria Pública. Por mim, que já estava na sala partindo para a 14a audiência.


O advogado que não sorriu e nem respondeu quando lhe cumprimentei parecia ainda mais tenso do que as pessoas ali - diretamente envolvidas no conflito. Aquele silêncio quase constrangedor e os olhares trocados já mostravam que o trabalho seria duro. Seria difícil transpassar a barreira da inflexibilidade.

Havia uma dificuldade nítida de comunicação entre as partes que nada diziam e ao mesmo tempo “tudo diziam”... é aquela história de que o corpo fala. Estudos dizem que nossa comunicação é mais de 90% não verbal. Sim, o corpo fala. E como fala.


Para além dessas barreiras, havia uma quase intransponível: o advogado. Um advogado pode ser um grande parceiro do mediador, atuando colaborativamente para alcançar o resultado esperado. Em contrapartida, o advogado pode também ser o grande obstáculo numa sessão de mediação.

Aquele dia tudo indicava que teríamos a segunda opção.

Houve um grande esforço do mediador, que percebendo o clima que se instalara, utilizou de todas as ferramentas e habilidades necessárias na busca da construção de um ambiente propício ao diálogo.


O mediador era excelente.

Uma das vantagens de ser mediador é que quando atuamos na condição de advogado/assessor ou Defensor de um mediando percebemos e reconhecemos uma mediação bem conduzida. A gente vibra e passa a “torcer” pelo processo. A gente torce pelas partes. Trabalhamos juntos buscando a co-construção do consenso.


Torcemos, dessa forma, pelo “sucesso” da mediação que nada mais é do que o “sucesso” das partes que retomam as rédeas de suas vidas e consequentemente da solução de seus próprios conflitos. É realmente lindo e inspirador.


Entretanto naquele dia percebi, melhor dizendo, confirmei aquilo que já sabia. Não basta um bom mediador. Não basta um ambiente propício a mediação.


É preciso sobretudo que aqueles que atuam como assistentes jurídicos das partes estejam verdadeiramente desarmados e que compreendam o papel importante que desempenham dentro daquele ambiente, dentro de todo o processo, afinal, a relação que existe das partes com seus advogados e Defensores é de confiança.

Colaborar significa trabalhar junto. Cooperar. Contribuir para o resultado.

Aqui cabe mencionar a importância da atual e tão necessária advocacia colaborativa. Uma nova forma de “advogar “onde os advogados, após assinarem um termo de não litigância passam a atuar colaborativamente. Não cabe mais o modelo tradicional da advocacia que vive e sobrevive do litígio, a postura aqui é outra. Que bom.


Os “advogados colaborativos” trabalham juntos. Um com o outro e não um contra o outro. Essa talvez seja a diferença mais gritante.


O objetivo é buscar uma saída para aquele conflito de maneira consensual, madura, que contemple necessariamente soluções que atendam aos verdadeiros interesses de todas as partes envolvidas .

A advocacia colaborativa surgiu nos anos 90, nos Estados Unidos por meio de um brilhante advogado americano chamado Stuart Web, que, cansado de litigar e ver seus clientes cada vez mais insatisfeitos, inaugura, então, uma nova maneira de advogar.


Este modelo de advocacia contemporânea traz uma nova maneira de olhar para o conflito. É como se todos estivessem exatamente do mesmo lado.

É como um pequeno barco que para avançar em direção ao oceano precisa que todos – todos - estejam coordenados e remando na mesma direção.

O esforço é conjunto. O objetivo é único.

Desde que participei de uma capacitação aqui no Rio de Janeiro em Práticas Colaborativas e me tornei uma “Defensora Colaborativa” (simplesmente amo essa terminologia) comecei a perceber, com mais clareza, nos processos e nas audiências em que atuo, a diferença de postura que um profissional colaborativo tem.

Parece que a gente se reconhece no outro. Esse encontro parece mágico. Tudo começa a fazer sentido e fluir.


Mas porque mesmo eu desviei da história que estava contando e comecei a falar de Advocacia Colaborativa??

Ah, acho que já sei.

Vocês lembram que na história eu disse que a sessão de mediação estava sendo conduzida por um excelente mediador?

Pois é. Mas tinha um problema. Não havia um advogado colaborativo do outro lado. Mas isso por si só poderia ser contornado se houvesse uma postura colaborativa por parte daquele advogado que lamentavelmente, num determinado momento bateu na mesa e de forma muito incisiva falou:


“Não. Não sou advogado de fazer acordo”.


Que pena.


O barco não chegou ao oceano. Ficou parado no mesmo lugar.

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