Escutando com todo o nosso ser
Em novembro passado deparei-me com uma notícia postada na página do facebook de uma Conselheira Tutelar referente à matéria veiculada em https://extra.globo.com/mulher/mae-desabafa-apos-receber-queixa-de-vizinha-sobre-choro-de-bebe-sem-coracao-22024330.html, que dizia respeito a muitos temas que temos tratado aqui neste Blog - como lidamos com os nossos conflitos-.
Refere-se a uma mãe que, ao receber um bilhete anônimo de uma vizinha reclamando do choro de sua filha de 4 (quatro meses), faz um desabafo nas redes sociais.
Reproduzo abaixo o que foi postado sobre o que ambas escreveram:
Querida vizinha, se você não consegue calar sua filha, arranje quem cale, pois o choro dela está atrapalhando o sono dos meus filhos. Obrigada.
Esse texto foi para dizer que hoje aqui na minha casa foi um dia extremamente difícil pois a minha bebê chorou muito. E eu chorei por ver que no mundo ainda existem pessoas sem coração. Devido a essa enorme irritação que minha bebê apresentou hoje, recebi um recadinho debaixo da minha porta que me entristeceu bastante. Talvez o meu vizinho não tenha provado o sabor amargo da maternidade, aquele sabor que nos desafia e nos torna uma pessoa melhor, mais amorosa e mais tolerante. Eu não sei quem deixou isso na minha porta, mas não há dúvida nenhuma que em nenhum lugar do mundo vai existir alguém mais interessado em calar o filho do que a própria mãe.
Compondo a postagem aparece uma explicação dada pela mãe sobre a alergia sofrida pela criança:
O APLV* apresenta-se de diversas maneiras nos bebês. Não se sabe exatamente a causa. Só sabemos que cada vez mais bebês apresentam essa alergia. No caso da minha filha, além de causar lesões no trato gastrointestinal a alergia provoca muita irritação, muito choro além da privação do sono. Apesar de estar em dieta restritiva, cometi alguns furos o que voltou o processo alérgico e inflamatório todo de novo.
Na manifestação das várias pessoas diante das narrativas trazidas, é curioso e interessante observar como as percepções ora divergem, ora se aproximam. Há comentários que acolhem a visão da mãe, outros que acolhem a visão da vizinha, outros que acolhem a visão de ambas, comentários que apresentam sugestões de como a questão poderia ser resolvida e comentários sobre experiências semelhantes vividas, seguidos de demonstração de como compreendem o que é passar por tais situações.
Dos 412 (quatrocentos e doze) comentários registrados, seguem alguns** que exemplificam como é possível acolher, pensar, explicar, sentir, opinar, recomendar, afirmar, perguntar, agir, diferentemente, a partir de uma mesma narrativa. São formas de perceber e compartilhar o mundo que contemplam o caldo cultural, de valores, de vivências, de necessidades em que cada um está inserido no seu processo de existência.
“Esse é o tipo de post que temos que concordar com todo mundo para não sair como a pessoa super malvada sem coração. A (o) vizinha(o) não está errada, por outro lado, a mãe também tem todo direito de ficar chateada, afinal, ela não pediu para que se bebê passasse por essa situação. E se fosse outra criança chorando e acordando seu filho, será que ela não ficaria também chateada? Enfim, não dá pra julgar ambos os lados”;
“Certa vez escutei o choro do bebê da minha vizinha... O bebê chorava muito, não parava, eu já estava angustiada. Corri na casa dela e peguei o bebê. Passamos o maior tempão tentando fazer a E... acalmar. E conseguimos hahahaha. Mais amor, por favor!”;
“Será que os filhos dessa pessoa nunca choraram? Devia ter empatia pela situação”;
“Eu mandaria um bilhete também, só porque é um bebê, não lhe dá o direito de perturbar o Sossêgo alheio, eu teria arrumado outra alternativa, colocaria o bebê no carro e daria voltas até ele dormir, nesse caso, o problema seria meu”;
“Cheguei em casa e ouvi gritos desesperados de um bebê, fui subindo as escadas até encontrar onde era o choro. Bati e perguntei o que estava acontecendo que aquele anjo chorava tanto e a mãe disse que ele chorava sempre pra tomar banho. Fui ver o anjinho e logo que olhei descobri o motivo do choro: pouca água na banheira e ele tremia de frio. Colocamos mais água quentinha e acabou o choro”;
“Porque que essa pessoa o invés de mandar esse bilhete, não foi perguntar se ela estava precisando de ajuda...”;
“Situação muito chata pras duas, pq envolve crianças de ambas as partes, mas só acho que ao invés dá mãe enviar um bilhete, devia ir perguntar a outra mãe o que a BB dela tem, e as duas entrarem em um acordo...”
“De fato incomoda. Mas pra alguém que já passou algo parecido, no caso a vizinha, que já é mãe, deveria saber q isso acontece. Não seria mais fácil perguntar o q acontece, oferecer ajuda e trocar experiências?...”
“... A unica voz de uma bebê é seu choro, cabe a nós ter a empatia de entender isso, já tive um vizinho que os gêmeos deles sempre choravam muito, nunca me importei. E hoje tenho um filho, quase não chora, mas quando chora, chora alto, e hoje dou graças a deus de não ter julgado meu vizinho...”
Existe uma expressão muito em voga que os mediadores costumam habitualmente se referir a ela, especialmente em buscar vivenciá-la, pela importância que pode ter em um procedimento de mediação. Chama-se EMPATIA.
Tenho tentado compreender e perceber em mim, mais profundamente, este estado que acontece na vida da gente ao nos relacionarmos com outras pessoas. Enquanto não crio as minhas próprias palavras, recorro a quem já vem estudando há mais tempo esse tema. Dominic Barter, por exemplo, em entrevista concedida para o Programa Milênio (06/01/17), passando longe daquelas expressões tão conhecidas como ‘calçar os sapatos do outro’ ou ‘se colocar no lugar do outro’, nos diz que, na empatia, procura-se conectar com aquilo que se compartilha, apesar de todas as diferenças que nos distinguem uns dos outros. Seria a nossa capacidade de reconhecer no outro a sua humanidade e vibrar em nós as coisas que vibram para o outro e igualmente enlutar com coisas que, para os outros, são tristes e de perdas. Diferente de estar sempre correndo atrás de uma solução, mas simplesmente estar com o outro na sua experiência de vida. Complementa dizendo que muitas vezes estamos perdendo isso no nosso dia a dia pela correria e por estarmos constantemente voltados à produtividade e ao resultado. Nesse sentido, a empatia seria a volta a uma qualidade de convivência e eu adicionaria, onde o compartilhar nos permitiria descobrir o que é possível beneficiar aos que estão envolvidos, em mão dupla.
Marshall Rosenberg, em seu livro Comunicação Não-Violenta. Técnicas Para Aprimorar Relacionamentos Pessoais e Profissionais (Editora Ágora, 2006), nos diz que empatia é a compreensão respeitosa do que os outros estão vivenciando e exige o esvaziamento de todos os sentidos, para que se escute com todo o nosso ser. Ela ocorreria apenas quando conseguimos nos livrar de todas as ideias pré-concebidas e julgamentos a respeito das pessoas com quem estamos nos relacionando. Empatia, portanto, não envolveria o ato de dar conselhos ou encorajamento, assim como o de explicar nossa própria posição ou nossos sentimentos.
Como mediadora, fiquei logo imaginando que esse seria um ‘lindo’ caso (no sentido de ‘talhado’) para mediação, pela grande possibilidade da convivência dessas vizinhas perdurar no tempo e necessitar ser cuidada, sob pena de se tornar um suplício em suas vidas. E, como já sabemos, para que uma mediação ocorra, as pessoas diretamente envolvidas já terão expressado sua vontade e anuência em participar e percorrer um caminho que promova conexões, falas, escutas e possíveis entendimentos.
Mas como costumo dizer em meus textos do Blog, há muitas possibilidades de se buscar entendimentos, sendo a mediação uma delas. Foi para mim muito gratificante entrar em contato com tantos relatos de pessoas que se mobilizaram e comentaram as narrativas da mãe e da vizinha. Quantas ideias e sentimentos surgiram!
Considerando as compreensões que os autores compartilham sobre Empatia, parece interessante o exercício de nos colocarmos no cenário de nos aproximarmos empaticamente de uma e de outra personagem da matéria apresentada, como se estivéssemos vivendo situação semelhante.
*Alergia à proteína do leite de vaca
**Referente à matéria postada em 02/11/17. https://www.facebook.com/jornalextra/posts/1843776448988630. Acesso em 02/12/2017