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Carnaval e Mediação:Isso dá samba!


Gosto muito de Petrópolis, não só por sua encantadora beleza e charme, mas também por ter vivido aqui por 17 anos, quando tive filhos, fiz amigos, trabalhei. Sempre pensei em voltar e agora, após temporada de 20 anos no Rio, realizo essa intenção. Pesou muito na minha decisão, além da desejada proximidade com minha família, a tranquilidade da cidade. Estou estabelecida no Centro onde circulo à vontade já que é perto de tudo...e do meu apartamento no 10º andar, sinto-me numa torre de observação, longe de todo o ruído e movimentação e feliz da vida, curtindo a tranquilidade buscada.

Até que em uma sexta feira, dois meses antes do Carnaval, sem nenhum aviso que pudesse me preparar para o que iria acontecer, entra em meu apartamento, sem pedir licença, a bateria completa de um bloco carnavalesco, com seus tamborins, surdos e pandeiros, tão barulhentos, embora afinados, que não conseguia ouvir meus próprios pensamentos. Meio atordoada procuro entender o que está acontecendo e verifico que tem um bloco de Carnaval fazendo ensaio embaixo de minha janela!

Eles só pararam às 23h, não sem antes cantar a todo fôlego o Cidade Maravilhosa! Mesmo muito frustrada com essa uma hora além das 22h regulamentar, pensei; deve ter sido um evento especial e não haverá repetição... Qual o que... no dia seguinte, lá estavam eles de volta me deixando muito revoltada, com o sentimento de estar sendo invadida em minha privacidade e já pronta pra acionar os órgãos públicos como a Prefeitura, a polícia e o que fosse necessário para garantir o meu direito ao silêncio.

No domingo eles não voltaram e a semana se iniciou tranquila como sempre. Até que na sexta feira fui de novo acometida pelo rufar dos tambores! Atônita resolvi, junto com uma amiga, verificar de perto esse absurdo, já pensando em buscar o responsável pela folia, para conversarmos sobre horários, regras de convivência social etc...

Encontrei-os num canto de uma praça meio escondida entre os fundos dos prédios, com a bateria já na sua formação tradicional, tendo à frente um maestro que conduzia com firmeza seus músicos e muitas pessoas alegres, sambando, rindo, conversando animadamente, comendo, enfim, se deliciando com a festa... eu própria comecei a sentir uma certa alegria, quase me remetendo a um estado alterado de consciência que é para onde a cadência dos tamborins costumam me levar...nada do que via e sentia, fazia ressonância com a indignação que me levara até ali! Mais ou menos nessa hora percebi que praticamente todos vestiam uma camiseta com a informação que aquele bloco completava neste ano de 2018, 48 anos!

Já refeita do transe hipnótico que pode causar uma bateria de Samba e já em conversa com alguns de seus dirigentes, percebi o orgulho com que eles contavam sua história, os olhos brilhavam quando diziam que ali, exatamente naquele lugar, há exatos 48 anos esse bloco havia sido fundado, tendo ainda entre seus foliões muitas pessoas dessa época que, religiosamente, se reúnem para prestigiar a agremiação que eles tanto amam, apesar das dificuldades para seguirem a cada ano, sem esmorecer, pois afinal é o Bloco mais antigo de Petrópolis! Comecei a sentir muito desconforto com relação a todas as minhas considerações ego centradas sobre regras, ruídos, respeito ao próximo etc...

Eu, mediadora experiente, que sigo estritamente a regra de ouro desse nosso trabalho sensibilizador das pessoas, auxiliando-as a pensar não somente em si mesmas, mas também nas necessidades do outro com quem estão interagindo, pois somente desta forma poderão ser criadas soluções que verdadeiramente atendam a todos... que vivo repetindo que ouvir o ponto de vista do outro é regra de ouro e que se não for possível ouvir, (como tive a honra e oportunidade de fazer), que se ocupem minimamente em pensar sobre o outro lado da questão, porque somente assim pacificaremos as relações sociais... precisei de muitos dias de indignação e mal estar, para entender que vivia na carne o oposto do que preconizo...

Fiquei pensando quantas vezes nós, no nosso cotidiano, mesmo estando imersos em nosso universo profissional que busca, através de discurso sincero, auxiliar nossos mediandos a construírem, verdadeiramente, a compreensão do ponto de vista do outro, quantas vezes nos esquecemos disso e seguimos no "automático" sem essa percepção que precisa ser diuturnamente trazida à consciência, aprimorada e desenvolvida... simplesmente porque se assim não for, não dará samba!

Tomada por essas reflexões, conscientemente plena da importância de levar para o meu dia a dia o que proponho no meu trabalho, feliz por ter mediado a mim mesma e cheia de alegria, caí no samba na avenida, atrás do "Vai quem Quer"! E, claro, vestida com a camiseta comemorativa dos 48 anos!

*Glória Mosquéra - Psicóloga e Mediadora

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