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Era uma vez

Somos feitos de histórias.

Quando criança, sempre ouvia a história ultrarromântica de como o meu avô pediu minha avó em casamento no alto do Pão de Açúcar. As famílias deles se conheciam havia décadas, eram vizinhos em Buenos Aires. Em algum momento a família do meu avô veio morar no Rio de Janeiro. Minha avó veio de férias aos 19 anos. Uma mulher linda, uma diva. Meu avô, um autêntico boêmio carioca. Se reencontraram, se apaixonaram, deixaram pra trás filas de pretendentes… Viveram um conto de fadas pelos 50 anos que se seguiram. Deixaram de herança pra mim, além de toneladas de amor, um modelo de casamento perfeito.

Me lembro também de sempre ouvir da minha família que eu era muito desastrada. Acreditei nisso piamente e tudo que acontecia a minha volta confirmava isso. Um copo que caía ou um esbarrão na minha irmã eram motivo de risos e deboches que não apareciam quando os mesmos acidentes aconteciam com outras pessoas.

Somos feitos de histórias. Desde que nascemos, ouvimos as histórias contadas sobre nossa família, sobre o mundo em que vivemos, sobre nós mesmos. Essas histórias nos constituem e dão sentido a nossa existência. A história de como nossos avós viviam. A história das migrações dos nossos antepassados. A história do nosso país. Histórias de guerra, histórias de amor, histórias de dor, histórias misteriosas. Histórias sobre as obrigações e papeis sociais de cada um de nós.

Essas histórias são recortes. São versões. Destacam alguns acontecimentos, escondem outros, maquiam outros tantos. Toda história contem em si versões alternativas.

Quais foram as crises no casamento dos meus avós durante os 50 anos em que viveram felizes para sempre? Como terá sido para a minha avó criar três filhos longe da família? Que escolhas diferentes fariam se pudessem? Até que ponto a história romântica que ressoa em mim desde criança é real?

E se eu não tivesse me convencido de que sou desastrada? Teria desenvolvido aptidões que ficaram adormecidas? Teria algum hobby ou até mesmo profissão diferente? Olha que eu faço uns bonecos de massinha incríveis pra minha filha…

Pessoas em conflito vivem histórias em conflito. Os recortes que fazem da relação conflituosa são excludentes, maniqueístas, simplistas. O contador da história frequentemente aparece como a vítima da situação e o “outro” é o vilão – obviamente, o único responsável pela desavença. Todos os elementos da narrativa confirmam isso. Cada detalhe confirma a posição do narrador. Cada uma das partes em conflito se fecha dentro da sua narrativa e se comporta norteado pela história repetida à exaustão. Eu contra o outro. Desconfiança, rancor, mágoa.

Narrativas em conflito podem ser reorganizadas de modo a transformar relações. Durante as conversas com os mediandos, ajudo-os a colocarem suas histórias em perspectiva. Faço perguntas que incorporam novos elementos às suas narrativas. Provoco reflexões sobre as ambiguidades e contradições de seus relatos. Que elementos foram deixados de fora daquela prosa? Qual história alternativa ajudará aquelas pessoas a conviverem melhor? Proponho que construam uma nova história. Mais confortável para habitar. Mais rica, mais complexa, mais cheia de nuances. Uma história que permitirá novas e melhores possibilidades para o relacionamento. Afinal, a história do conflito é somente uma dentre as tantas histórias que podem ser contadas sobre uma relação.

Deixo vocês com a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, nessa palestra imperdível: https://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story/transcript?language=pt-br

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