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Quando um não quer, dois não medeiam

Queridos leitores, essa semana trazemos mais uma convidada para nos contar sobre uma experiência em Mediação. Isabel Tostes e eu trabalhamos em comediação em alguns casos e foi muito interessante vê-la escrever sobre uma dessas experiências que compartilhamos.

Jornalista, Isabel Tostes atua há mais de 25 anos como assessora de imprensa, trabalhando na elaboração, planejamento e execução de planos de comunicação e marketing para Furnas, L’Oréal Brasil, Cervejaria Kaiser e Laboratórios Abbot, entre outros. Como assessora de imprensa, redigiu e editou publicações para esses clientes. Em 2015 fez o curso teórico de Mediação de Conflitos do MEDIARE e acaba de completar as 100 horas de prática na resolução de conflitos.

Essa foi, digamos, a síntese do que se deu no caso dos irmãos e vizinhos João e Manoel. João propôs a mediação para dar cabo a um conflito de mais de 40 anos, que começou com desavenças entre irmãos e chegou a nós cristalizados na convivência de vizinhos. A maior parte da pauta trazida por João era de origem objetiva e continha vários itens: esgoto, fio de alta tensão que passava por cima do seu telhado, aterro, galho de árvore que invadia seu terreno, fossa aberta entre as duas construções, entulho.

Os pontos comuns – uma chance vislumbrada como ponto de partida para histórias alternativas – não renderam: ambos são posseiros e Manoel tinha chegado à região dois anos antes de João. Nas reuniões conjuntas, um mal conseguia ouvir o outro. Os discursos estavam colonizados pela raiva e rancor.

Partimos para os encontros privados como recurso para criação de ambientes propícios a perguntas autoimplicativas e uma tentativa de esvaziar o clima de guarda armada que as partes apresentavam sempre que estavam juntos. Intervenção que se mostrou infrutífera. Mesmo nas perguntas objetivas sobre os problemas, as respostas começavam com acusações ao outro. Era necessário repetir a pergunta para que os mediandos pudessem compreendê-la e, às vezes, respondê-la.

Também identificamos e chamamos para a mediação um integrante da rede de pertinência e ponto em comum dos irmãos. João e Manoel se referiam a Mozart como um vizinho “gentil, educado e honesto”. Em reunião privada, Mozart relatou sua versão dos fatos, trouxe dados que lançaram luz sobre o conflito e se mostrou muito disposto a ajudar no que fosse necessário. Esse recurso também foi pouco eficaz.

Entretanto, conseguimos avançar no esclarecimento dos fatos que indicavam a necessidade de auxílio legal para os dois irmãos. Os imóveis de ambos ainda estão em processo de legalização e a rede de esgoto é clandestina. Propusemos um acordo provisório em que cada um se comprometesse a fazer obras para que, uma vez concluída, pudessem, cada um do seu lado, regularizar a rede particular.

“Você tem medo de morrer?” Cheguei a pensar em desconstruir o discurso do Manoel, que parecia o mais preso à sua posição de vítima, com essa pergunta, sem mesmo consultar a equipe de mediação. A ideia era tirá-lo desse papel, fazer brotar uma outra narrativa para aí, sim, vislumbrar novas possibilidades e histórias alternativas. Não vi oportunidade para tal.

Depois de quatro sessões, em que pouco se avançou no apaziguamento das partes consigo mesmas, decidimos caminhar em cima das outras pautas para mostrar evolução. Somente uma delas tinha sido resolvida – o do galho da árvore -, mas que, mesmo assim, serviu de motivo para Manoel reforçar seu papel de vítima (foi ele quem cortou a parte que avançava para o terreno do João).

Decidimos que a quinta sessão seria a última tentativa. Fizemos novamente individuais e, de João, obtivemos alguns compromissos em prol de um benefício comum. De Manoel não, mas conseguimos que, depois de várias tentativas de perguntas autoimplicativas, ele respondesse, consciente e ouvindo a si próprio, que não faria nada para que o conflito se dissolvesse.

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