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Meu pai/minha filha não fala comigo há oito anos

Sempre me intrigaram histórias de irmãos, pais e filhos, amigos de anos, primos próximos, que deixam de se falar.

Lembro-me do dia em que um amigo querido me contou ter ficado sem falar com o irmão durante dezessete anos. Detalhe: pararam de se falar ainda adolescentes e, na época, dividiam o mesmo quarto. Meu amigo disse que era muito próximo do irmão e que, em uma briga, pararam de se falar. Não lembra nem direito o porquê.

Eu tenho duas irmãs e, desde que me entendo por gente, nós brigamos (muito mais quando jovens do que agora, felizmente). Em muitas dessas brigas, ficávamos sem nos falar. Sinto-me muito grata por esses períodos de silêncio nunca terem passado de poucos dias. Considero uma sorte que sempre acontecia alguma situação que nos “obrigava” a falar e, após um período de desconforto, nem lembrávamos mais da briga.

Um mês depois de ouvir a história do meu amigo, me vi diante de uma situação similar. Era sexta-feira, dia em que eu mediava no CEJUSC Leopoldina (no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), e os primeiros mediandos da manhã eram Pedro e Joana (os nomes são fictícios), pai e filha.

Era uma ação onde Pedro pedia para encerrar o pagamento da pensão alimentícia de Joana, que estava com 26 anos. Em termos legais, a questão parecia ser muito simples e ambos estavam bem assistidos por seus advogados.

Após o discurso de abertura (quando os mediadores explicam e combinam as regras da mediação), Joana quis começar falando e Pedro concordou em começar escutando. A primeira frase de Joana foi: “meu pai não fala comigo há oito anos”. Pedro imediatamente rebateu: “é ela que não fala comigo há oito anos”.

É muito comum interromper uma pessoa que está falando algo de que discordamos, fazemos isso com frequência no dia-a-dia. Uma das grandes vantagens da mediação é propiciar um espaço onde cada um pode expor seu ponto de vista e escutar o do outro. Essa regra é sempre combinada no discurso de abertura e, sempre que necessário, lembrada pelos mediadores.

Voltamos a fala dos mediandos.

Joana falou que não estava trabalhando no momento. Sentia muita mágoa pela forma que o pai terminou o relacionamento com a mãe. Disse que o pai havia abandonado a mãe e ela. E que não se sentia apoiada pelo pai, que durante todo esse período não a procurou.

Pedro disse que nunca a abandonou. Disse que continuava falando e encontrando a irmã de Joana normalmente. Falou, ainda, que achava inadmissível uma filha não falar com o pai.

Cada um deles achava que o outro deveria, anos atrás, ter buscado uma reconciliação e que agora era tarde demais.

Para completar, o advogado de Pedro (vou chama-lo de Oswaldo) se identificou com a história e o ponto de vista de seu cliente. Doutor Oswaldo também tinha uma filha, com quem falava, mas muito pouco, e começou a contar, de forma muito emocionada, que a filha só o procurava quando precisava de algo e que tinha pouco contato com a neta.

O foco estava saindo totalmente dos mediandos e nós (mediadores) fizemos uma fala racional com o advogado; “Doutor Oswaldo, cada caso é um caso. A gente percebe que sua relação com sua filha também tem suas dificuldades e suas dores. Mas é uma situação diferente da que...”. Interrompendo a nossa fala, o advogado falou irritado: “É a mesma coisa. O pai faz tudo pela filha, dá um duro danado para dar o melhor e ela vira a cara e fica acusando o pai disso e daquilo como se fosse um criminoso”. Resolvemos acolher também os sentimentos e dar um espaço de fala para o advogado.

Depois que todos puderam falar e escutar, nós fizemos um resumo destacando que todos eles (Pedro, Joana e Oswaldo) tinham em comum o valor da família, do respeito e do afeto entre pais e filhos.

No final da sessão avançamos para a questão objetiva, e pai e filha concordaram em estender o pagamento da pensão por mais seis meses como período de transição.

Enquanto meu colega estava redigindo o acordo, o pai lembrou uma história que ocorreu vinte anos antes: em um dia chuvoso, quando ainda eram casados, os pais foram com as duas filhas à igreja. Depois do culto, Joana foi brincar no quintal e acabou caindo em um buraco cheio de lama. Pedro, ao ouvi-la gritando, saiu correndo, pulando poças de água e lama e conseguiu resgatar a filha. Mais tarde, já em casa, a pequena Joana (na época com seis anos) contando para a avó o episódio, disse, com os olhos brilhando: “eu fiquei presa na lama e meu pai saiu voando e me salvou. Meu pai voou!”. Pedro finalizou: “naquela época ela achava que eu era um heroi e hoje nem olha para mim direito”. Na mesma hora, Joana, levantou e abraçou Pedro. A emoção contagiou também Doutor Oswaldo. Os três choraram.

Tive a sensação de que naquele momento um novo capítulo se iniciava na relação entre Pedro e Joana. E espero que tenha plantado – também – uma semente de conciliação para o Doutor Oswaldo e sua filha.

Brigas entre irmãos, pais e filhos, primos são muito comuns (eu sei bem), mas continuo intrigada quando resulta em longos períodos de silêncio. Aquilo que é tão comum acaba se transformando em um ponto decisivo onde relações profundas de amor e afeto são interrompidas. Imagino o quanto deve ser difícil dar um passo para a reconciliação, deixando de lado as mágoas e abrindo mão de “ter razão”. Mas, vendo o abraço emocionado de Pedro e Joana, não tenho dúvida de que vale a pena.

* Carol é mediadora e coach de conflitos, consteladora familiar individual com bonecos e advogada

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