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Uma amiga precisando de ajuda

É inegável a força e a potência de certos aplicativos para celulares. Grupos são criados, pedidos são encaminhados e soluções são encontradas rápida e efetivamente. Há pessoas engajadas e proativas, hábeis em disparar as ações e inspirar ideias que transbordam aquele espaço/tempo, reverberando para outros contextos.

Um exemplo disso ocorreu recentemente comigo. Fui inserida em um grupo de WhatsApp com o nome Amiga precisando de ajuda. Fiquei curiosa, mas acabara de embarcar, as portas da aeronave já estavam fechadas e o comando para desligar o celular havia sido dado enfaticamente. Naquele voo não era possível usar o modo avião. Desliguei o aparelho e fiquei sem saber, quem havia criado o grupo, por que eu estaria inserida nele e qual a expectativa de ajuda a ser oferecida por mim, o que criou uma série outras de indagações. Quem seria a amiga? O que precisava? Que tipo de ajuda buscava? Qual a gravidade da situação? Quão urgente era? Como eu poderia auxiliar? Inquieta, mas sem ter o que fazer naquele momento, me deixei absorver pela leitura do livro da vez: Topologia da Violência, de Byung-Chul Han, aproveitando, como de costume, o tempo do voo para uma boa leitura e reflexões.

Assim que aterrissei voltei ao celular e descobri que a ajuda solicitada se referia a alguns conceitos presentes em procedimentos autocompositivos. Tal episódio foi inspirador para este texto sobre Mediação e Justiça Restaurativa (JR), similitudes e diferenças.

Dentre as similitudes, podemos destacar que tanto a Mediação quanto a Justiça Restaurativa emergiram, de forma sistematizada e sob fundamentos teóricos nos anos 70 e contam com registros de suas existências em épocas anteriores a referida década. Estão de alguma forma radicadas nos movimentos pacifistas daqueles tempos e são altamente customizadas ao cuidar de ouvir as pessoas naquilo que elas esperam de uma mediação e de um procedimento restaurativo que busca a satisfação das necessidades dos envolvidos.

Em certos casos é o cenário mapeado que permite identificar a melhor dinâmica e procedimento, assim como as técnicas que melhor se aderem às expectativas das pessoas envolvidas (o que permite escolher uma dentre as escolas ou estilos de mediação ou entre uma das práticas restaurativas em uso).

A Mediação em matéria penal assim como a JR oferecem modos para o tratamento dos conflitos decorrentes de delitos e/ou infrações (conflitos interpessoais), tendo no diálogo o dispositivo primordial para gerar mudanças e soluções. Ambas são fundadas nos princípios da voluntariedade, autonomia da vontade para estar e permanecer, trabalham com a visão de inclusão, cooperação, horizontalidade, igual oportunidade para falar, ser ouvido e para contribuir com o resultado final. Possibilitam o aprendizado para situações futuras que ofereçam uma forma adequada de manejo dos conflitos e a reparação dos danos deles decorrentes. Seus participantes assumem a responsabilidade pelos resultados e são autores das decisões construídas conjuntamente.

Quanto as diferenciações entre a Mediação e a Justiça Restaurativa é de se destacar que a Mediação vem sendo aplicada segundo diferentes escolas e estilos em contexto familiar, escolar, relações de vizinhança, condominial, empresarial, institucional, trabalhista, societária, ambiental, penal entre várias outras, enquanto a JR é afeta as questões conflitivas que envolvem a prática de crimes, de atos infracionais ou quaisquer circunstâncias que envolvem danos a terceiros e conta com uma gama de metodologias, estabelecimento de valores e princípios norteadores da conduta que não compõem o arcabouço da Mediação.

Na Mediação em matéria penal há a participação das pessoas diretamente envolvidas no conflito, a responsabilização é individual e o foco é colocado na satisfação destas (pessoas diretamente envolvidas) visando o restabelecimento das relações. A rede, quando presente, dá suporte, apoia a parte a qual está vinculada e não traz demandas próprias. Quando possível é construído um acordo de autoria das partes e com efeito interpartes. Na Justiça Restaurativa, além dos diretamente envolvidos e suas redes, quando incluídas, há a participação das pessoas indiretamente afetadas também. Elas são trazidas para o contexto no qual se deu o dano, sendo todos convidadas assumir a responsabilidades (individual e coletiva) pelo ocorrido. O foco é voltado para a reparação dos danos e o atendimento das necessidades de todos. Ao final é construído por consenso e autoria coletiva, um Plano de Trabalho que implica em ações propostas pelo autor do ato danoso para atender as necessidades da pessoa que sofreu o dano, com o apoio da sua comunidade.

A JR funciona dentro da lógica da interdependência, interconectividade e corresponsabilização e busca uma resposta ao dano, ofensa, crime ou infração distinta do que ocorre no sistema punitivo-retributivo. Enquanto neste o crime é entendido como uma violação ao Estado e afronta à Lei, implicando na busca de um culpado e a imputação da justa punição (que, em regra, envolve a geração de um sofrimento igual ou superior ao que foi causado), no sistema restaurativo o crime é uma violação das pessoas e dos relacionamentos, implicando na assunção de compromissos para a correção dos danos. Envolve a vítima, o ofensor e a comunidade na busca de soluções que promovam o acordo, a restauração e a segurança.

A JR tem como objetivo desagravar relações e restaurar as situações da melhor forma possível. Traz a possibilidade de trabalhar apenas com um dos lados, quando o outro não adere ao procedimento, e, ainda que o resultado possa ter sua potência reduzida pela ausência de um dos afetados, o uso de vítimas emprestadas, recursos tecnológicos, cartas, etc são mais efetivos do que inviabilizar procedimento.

Claras as similitudes e diferenças, numa próxima oportunidade vamos conhecer e diferenciar as práticas restaurativas, percorrendo mais um tema, constante do pedido de ajuda.

Até lá!

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