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MEDIAR MESMO SEM CONFLITO (APARENTE)? A beleza do método auto-reflexivo

Fernando* foi o primeiro a chegar no Núcleo. Logo na sessão de pré-mediação informou que precisava apenas formalizar a dissolução da união estável que tivera com Marta*, sua ex-companheira de trabalho, com quem viveu por 4 anos e começou a realizar o sonho da casa própria. Dessa união, havia nascido Felipe, hoje com 6 anos de idade.


Fernando pontuou que tinha uma um bom relacionamento com Marta, que já haviam conversado e combinado tudo: ele continuaria a pagar a pensão do filho, nos mesmos moldes de sempre, continuaria a ver o menino sempre que possível – o trabalho estava muito “pesado” –, ficaria com o imóvel e continuaria a arcar com o pagamento das prestações. Em relação à guarda do filho, dizia que, em sua visão, os filhos tinham que ficar com as mães, pois somente elas sabiam mesmo como criar bem um filho. Por isso, jamais pensaria em separar o seu filho de Marta.


Na voz de Marta, tudo foi confirmado. De fato, ela e Fernando se davam muito bem. Ela o reconhecia como um bom pai e estava satisfeita com o valor da pensão paga ao filho. Entendia não ser justo reivindicar qualquer direito sobre o imóvel, pois o contrato de financiamento fora assinado um mês antes da separação do ex-casal, e ela nunca havia contribuído financeiramente para a aquisição do mesmo. Embora o filho chorasse muito a ausência do pai e estivesse ficando até meio agressivo, entendia que Fernando visse pouco o filho por conta do trabalho. Visivelmente emocionada, justificou que sabia bem como era a rotina da empresa onde Fernando trabalhava, pois já havia estado no mesmo lugar.


Acolhemos a preocupação de Marta com o filho que estava ressentido da ausência do pai, e esclarecemos que na mediação familiar havia um convite implícito para uma abordagem ampliativa e sistêmica dos assuntos que pudessem melhor atender a toda a família. Seria possível, caso todos desejassem, incluir em pauta questões sobre guarda e visitação, de modo que o desenho de convivência dos pais com Felipe fosse objeto de um diálogo colaborativo entre as partes para a potencial co-construção de cenários positivos para todos. Sorrindo, Marta assentiu positivamente.


Neste contexto, o processo avançou e na primeira sessão conjunta, em caucus, Fernando foi convidado a refletir sobre questões sensíveis a partir da perspectiva de seu filho. Foram feitas perguntas capazes de efetuar mudanças em sua percepção global da situação, ao se incluir na mediação as vozes de todos os membros o sistema, a partir de dinamizadores reflexivos que convidaram o pai a experimentar o lugar vivencial de Felipe:


- Fernando, se o Felipe estivesse aqui, o que você acha que ele te pediria? - disse a mediadora, colocando o nome da criança num prisma de papel sobre a mesa da mediação, na posição de uma cadeira vazia.


- Pediria para ficar junto comigo. Ele é muito apegado a mim, chora à beça quando o deixo na casa da mãe. Certamente ele diria que gostaria de passar mais tempo comigo. Ele gosta, fica até mais calmo quando está perto de mim. E eu também gosto muito.


- Você sabe como tem sido o comportamento dele quando você não está? (Aqui usada a técnica de circularização de informações para provocar reflexão sobre conteúdos específicos já ventilados pela outra parte).


- Ele anda agitado, especialmente quando não consigo vê-lo com frequência. Lá na empresa, às vezes, é pesado e faço hora extra, principalmente nesse momento de crise, em que muitas pessoas estão sendo demitidas. Aí a Marta tem relatado que ele chora muito, tem ficado agitado. Eu sempre que posso estou junto dele, porque acho que um pai é muito importante na vida de uma criança. É o pai que direciona a criança pro bem. Na área que ele mora, que é de comunidade, há muitos perigos. O pai precisa estar presente. Na adolescência principalmente.


- Você gostaria de ter uma convivência mais intensa com seu filho?


- Nesse momento isso será muito difícil. Não tenho como buscá-lo… Moro longe deles - respondeu o pai visivelmente emocionado. Ainda bem que ele está nessa idade e que tenho tempo até ele ficar adolescente…


Neste momento, abriu-se uma nova janela de oportunidade. Sugerimos que Fernando pensasse em Felipe com 15 anos e pedimos para imaginar quais seriam as suas principais funções como pai. Ele repetiu que nessa idade, ele precisaria estar muito mais presente para impor os limites, pois os perigos seriam muito maiores. Essa imagem parecia quase que materializada na mesa. Prosseguimos:


- Quando ele estiver com 15 anos, você acha que o Felipe estará mais ou menos aberto aos seus conselhos?


- Com certeza menos. Adolescência, dizem, é um período muito difícil…


- Há alguma coisa hoje que você possa fazer para que no momento em que ele estiver com 15 anos seja mais fácil o desempenho da sua função paterna?


Silêncio na sala. A pergunta havia sido feita pela supervisora e mesmo as demais mediadoras foram surpreendidas pela habilidade em conduzir o processo de deslocamento temporal para criar perspectiva acerca do acordo, a partir das práticas que seriam firmadas no presente.


- Em que sentido? - Indagou Fernando.


- Na sua opinião, o Felipe com 15 anos terá mais abertura para aceitar limites de um pai que participou da sua infância de maneira intensa ou de um pai que intensificou a sua participação após uma determinada idade em razão dos perigos?


- Acho que ele terá mais abertura para aceitar os conselhos e limites de um pai que sempre participou ativamente. Acho que quanto mais próximo eu estiver dele hoje, mais chances eu vou ter de que ele lembre do que eu ensinei desde pequenininho.


- E se você levar isso em consideração, tendo em vista que estamos tendo a oportunidade de construir hoje o desenho de convivência que você terá com o Felipe nos próximos anos, o que acha que seria possível fazer?



Neste momento, ao alargar imageticamente os efeitos de longo prazo e os riscos possíveis que aquele acordo produziria ao estabilizar a rotina de convivência com o filho em níveis que ele próprio considerava baixos, tornou-se claro para Fernando que ele alteraria suas prioridades.


Registre-se que a mudança de percepção e mesmo de motivação do pai para pensar em novas possibilidades de solução, deu-se pela construção de um raciocínio próprio, apenas catalizado pela intervenção mediadora-reflexiva. Em outros termos, o mediador reflexivo não sugere, apenas abre espaços cognitivos novos e autorais, que possam superar o grau de satisfação de todos, consideradas as narrativas das próprias partes.


Assim, alterada a prioridade manifesta, e reaberto o diálogo sobre a visitação, a mediação passaria a concentrar-se em “como” os pais e a sua rede de suporte poderiam contribuir para tornar esses momentos de maior convívio possíveis, de modo que novas soluções pudessem ser traduzidas em um acordo.


Nesta etapa, novamente a visão sistêmica foi privilegiada e a abordagem reflexiva ampliou cenários de confluência de colaboração dos pais entre si e dos membros também da família extensa, de forma que o que ao início era anunciado como rota fechada (o aumento da convivência pai-filho), transformou-se em uma via factível e concreta.


Centramos nossas intervenções mediadoras no aumento da capacidade criativa das partes individualmente e do sistema familiar como um todo. Foram utilizadas técnicas reflexivas de expansão do pensamento lateral, em atividades passadas pela supervisora entre uma sessão e outra e também de forma direta, na sessão seguinte. Esta metodologia possibilitou a expansão do mapa mental dos genitores para novos cenários, a partir do ingresso em um flow criativo que potencializou a colaboração, tendo eles chegado a um surpreendente resultado: a convivência de ambos com o filho ficaria quantitativa e qualitativamente equilibrada.


A mãe, com o auxílio dos avós, que dispunham de maior disponibilidade de tempo se prontificaram a levar a criança ao pai para pernoites entre semana, de modo que o pai, também com o auxílio de sua rede, levasse a criança à escola diretamente nestas ocasiões, o que por sua vez criaria condições mais favoráveis para que a mãe pudesse se dedicar aos estudos e a sua busca por recolocação profissional.


Esta nova dinâmica, somada a convivência dos domingos alternados pré-existente, possibilitou uma ampliação do equilíbrio geral da convivência paterno e materno-filial, aumentando substancialmente o grau de satisfação geral das partes com o acordo e garantindo, sobretudo, que a criança pudesse ser atendida em suas necessidades emocionais mais profundas. Sua voz havia sido acolhida e revelada no processo de mediação, como verdadeiro catalizador de mudança de desfecho do caso, somada à intervenção reflexiva da equipe mediadora.


Na data de assinatura do acordo, retornaram as partes exultantes com as mudanças já percebidas na experimentação vivencial do que haviam concordado na sessão anterior. O surpreendente desfecho aumentaria literalmente em 300% a convivência média que o pai teria com o filho nos próximos anos. Retornavam já com feedbacks positivos das experimentações da mudança que iniciaram na quinzena de intervalo entre sessões e com relatos comoventes da alegria da criança que tinha verdadeira adoração pelo pai.


Pensar em como uma vida humana pode ser afetada pela intensificação da presença paterna em etapas tão importantes na formação do indivíduo, como a infância e a adolescência, tornam altamente gratificante o labor profissional do mediador reflexivo.


Este caso é exemplificativo do fato de que muitas vezes os mediandos chegam ao processo com uma visão restritiva da situação em que se encontram, com ideias pré-concebidas que podem suprimir potencialidades ocultas ou saltos qualitativos que gerem um maior grau de satisfação para todo o sistema familiar.


O método auto-reflexivo, desenvolvido na Plataforma Mediação Brasil, atua fortemente nessa possibilidade de alargamento cognitivo e criativo das partes de forma individual e coletiva para que os desenhos do acordo a serem produzidos em mediação possam alçar novos graus de satisfação, considerada a ecologicidade que devem representar para o equilíbrio de todo o sistema familiar.


*Fernando, Marta e Felipe são nomes fictícios. Os nomes reais foram trocados para preservar a confidencialidade do processo de mediação e a própria família.


*Vivian Gama é autora do método auto-reflexivo e Diretora da Plataforma Mediação Brasil. Cláudia Arouca é mediadora formada pela Plataforma Mediação Brasil. Lígia Frias é mediadora formada pela Plataforma Mediação Brasil.


Notas complementares sobre o método auto-reflexivo:


O método auto-reflexivo, desenvolvido pela professora Vivian Gama em 11 anos de pesquisa empírica, tem como base a ampliação de capacidades expansivo-cognitivas das partes como passo fundamental para a gestão positiva do conflito.


O método é utilizado de forma anterior e transversal à interação direta e ao diálogo entre as partes e se desenvolve a partir de um processo com características marcadamente reflexivas, apto à introduzir interrogantes eficazes que possam gerar aberturas cognitivas e a própria ressignificação da experiência e da percepção das partes na situação em concreto. Em síntese, o método auto-reflexivo: (i) amplia o mapa mental das partes, (ii) amplia possibilidades de colaboração multilateral e ressonância empática, (iii) qualifica o redesenho de estratégias, da comunicação e da negociação e (iv) oportuniza a liberação de um fluxo criativo para a co-construção de soluções que reequilibram o sistema.


Em termos práticos, o método apresenta uma nova geração de ferramentas técnicas, que se constituem pela sistematização 120 categorias estratégicas de perguntas, e outras intervenções análogas, segundo seu objetivo na gestão de conflitos e na mediação.


O método que hoje forma mediadores em todo o Brasil e na Europa apoia-se na inovação para a busca da superação de resultados, ofertando como diferencial de intervenção ênfase na facilitação de reflexões geradoras de novos insights autorais das partes, a partir de uma estrutura sistematizada e uma base procedimental própria.


Para maiores informações sobre o método auto-reflexivo: contato@mediacaobrasil.com

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