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Uma experiência de Mediação com a Administração Pública

Como muitos sabem a mediação no Brasil tem sido praticada desde a década de 90 e, por muito tempo, sem qualquer tipo de legislação que a definisse ou regulasse. A primeira iniciativa de regulação, momento em que foram estabelecidos parâmetros institucionais judiciais, foi em 2010 com a Resolução CNJ 125, ainda em vigor com seus anexos, incluindo-a como método no âmbito da política pública de tratamento adequado para os conflitos. Somente em 2015, com o advento da Lei 13140, considerada seu marco legal, é que a mediação passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro, tornando-se instituto legalmente estabelecido no País, definido e regulado.


A propósito deste marco legal, ao se observar a estrutura adotada pelo legislador se constata a existência de dois Capítulos, sendo o primeiro voltado para conflitos entre particulares e o segundo voltado para conflitos em que interesses públicos estão em jogo, quando ao menos um dos envolvidos é agente do poder público. Nota-se claramente a intenção do legislador em introduzir um divisor de águas com relação às matérias a serem objeto de mediação e como ela deve ser operacionalizada a partir de seus elementos em ambos os contextos.


O Capítulo II, na seção primeira, em linhas gerais, especifica a possibilidade da autocomposição de conflitos, aqui entendida como garantia de direitos, da legalidade, de maneira breve, eficaz e humanizada, quando pessoa jurídica de direito público for parte no procedimento, não importando se são duas ou mais em polos opostos ou em um deles pessoa de direito privado. Dentre os artigos do referido capítulo, o art. 32 chama atenção por permitir que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criem Câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito nos respectivos órgãos da Advocacia Pública. O mesmo artigo aponta ainda a competência das referidas entidades para dirimir conflitos entre órgãos e entidades da administração pública, avaliar pedidos de resolução de conflitos nos casos entre particular e pessoa jurídica de direito público e também promover a realização de termos de ajustamento de condutas, atribuição já exercida de há muito pelo Ministério Público. Na verdade, o referido artigo constitui-se em um verdadeiro incentivo a todas instituições públicas a criarem câmaras nestes moldes, muito embora não se estabeleça a maneira como deva ser desenvolvida, apesar da previsão contida no art. 33, que determina a utilização dos parâmetros do procedimento previsto para a mediação nas disposições comuns, enquanto a instituição não for criada, podendo inclusive se utilizar de instituições privadas enquanto não for criada pelo órgão público. Recentemente tivemos notícia que a Prefeitura da cidade de São Paulo optou por nomear a maior instituição brasileira prestadora de serviços de arbitragem e mediação para desenvolver processos enquanto sua instituição não estiver devidamente estabelecida.


Desde a entrada em vigor deste diploma legal, tem sido objeto de estudo e observação pelo autor o contexto público, não somente pela seu alcance e complexidade das questões acima apontadas, mas sobretudo pela resistência que ainda existe no País sobre o tema e a pouca experiência em alguns setores públicos. Importante explicar que a razão desta preocupação é justamente a amplitude que a lei promove, podendo a mediação ser aplicada em diversos ambientes. Na verdade, este fato é excelente para o instituto, porém há que se tomar um certo cuidado, pois os conflitos são muito distintos com reflexos de complexidades diferentes, o que demandam encaminhamentos também distintos para cada um deles.


Nesse sentido, há que se destacar quando se tratam de conflitos decorrentes de contratos administrativos, muitos deles decorrentes de licitações com financiamentos nacionais ou estrangeiros, onde o aspecto econômico e comercial é o enfoque central. Outra lógica possui os conflitos decorrentes das relações pessoa física ou jurídica e o fisco, onde o elemento fiscal é objeto de negociações dos envolvidos. Outras seriam ainda os conflitos entre particulares e entes públicos levados aos serviços prestados dor Centros ou Câmaras de Mediação, criados para promover o acesso ã ordem jurídica justa. Outra perspectiva seriam os conflitos coletivos, em que demandas comuns de ambos os polos (público e privado), envolvem sempre múltiplos participantes. Há ainda outra lógica quando se trata de conflitos levados a uma instituição pública da esfera executiva ou judiciária, que se propõe, a mediar conflitos entre particulares e, que para tanto contratam instituições especializadas para se capacitar e estruturar para implementar e oferecer estes serviços aos cidadãos.


Os comentários iniciais acima oferecem o cenário de uma mediação recentemente encerrada com um acordo, que transcendeu o simples debate de aspectos econômicos e comerciais contratuais. Promoveu, também, grande aprendizado para os participantes e o autor, e extrapolou o contrato administrativo objeto inicial do conflito entre uma empresa pública e um grupo de empresas prestadoras de serviços, que havia respondido a uma licitação. Este grupo venceu a referida licitação e ficou encarregado de desenvolver a obra de ampliação das instalações da empresa pública, cujo contrato enfrentou adversidades, dificuldades e situações não previstas durante sua execução. Como se verifica trata-se de um conflito identificado no primeiro item acima mencionado, relacionado aos contratos administrativos.


Importante lembrar que o contrato possuía cláusula med-arb e a empresa pública com seu departamento jurídico conhecedor dos temas propôs a mediação, antes de aceitar a arbitragem, que já havia sido solicitada pelo grupo de empresas. Este último, além de não vislumbrar as vantagens da mediação, possuía a intenção de alcançar rapidez na resolução dos conflitos, por isso o pedido de instauração da arbitragem.



Para que fosse efetivada a mediação, o momento de preparação se fez fundamental, pois foi quando amplos esclarecimentos acerca da mediação em si foram realizados para ambos os polos em momentos distintos. O mediador foi procurado em seu escritório por um dos responsáveis pelo contrato da empresa pública com o objetivo de conhecer como seria o processo com ele o encaminhamento para a mediação. Naquele momento se notou que era a primeira experiência da empresa pública com a mediação e que esta opção lhe parecia mais adequada diante do respeito ao grupo de empresas constituído para a obra, sendo que algumas das prestadoras de serviços haviam respondido satisfatoriamente por contratos anteriores Com relação ao grupo, o tratamento pelo mediador foi igual, no sentido de se prestaram amplos esclarecimentos sobre a mediação, e como se desenvolveria com ele: na sede do grupo de empresas com a presença do responsável pelo contrato e representantes das empresas, totalizando 9 pessoas, em uma reunião de quase duas horas.


Desde o momento preparatório até a instalação efetiva da mediação foram decorridos 3 (três) meses, pois dependia da agenda de 11 pessoas e do mediador, que desde o início reforçava a importância da presença e participação de todos ativamente para que houvesse a possibilidade efetiva de se desenvolver um diálogo diferente e produtivo.


Iniciados os trabalhos, no primeiro encontro, naturalmente, foram reforçados os temas citados nas reuniões preparatórias, relativos a dificuldade de pagamentos de despesas incorridas pelo grupo de empresas para execução das obras e a as muitas negativas em debaterem eventuais pedidos do mesmo. Como todo processo de mediação, o diálogo no primeiro momento se iniciou com visões antagônicas de todos os participantes, alguns deles já se conheciam por força não somente do contrato em tela, mas também de outros anteriores. Na mesma oportunidade, foram levantados outros temas não previstos, como exemplo: oneração de obras não programadas e realizadas, bem como esclarecimentos sobre a dificuldade da finalização de outras que estavam onerando ainda mais o contrato.


Como nesta mesma oportunidade se delineou um ambiente dialógico favorável, se decidiu que ambos os polos levantariam todos os temas pendentes, além daqueles já incluídos na pauta, e trariam para a próxima reunião agendada dali a duas semanas. O programado foi efetivado e se constatou a necessidade de se debater 20 itens do contrato, que foram objeto uma espécie de programação com um passo a passo de temas a serem debatidos. Tal cenário promoveu a mudança de visão de alguns deles, em que aos poucos iniciaram a construção de um ambiente mais favorável a disponibilidade de troca de informações e de esclarecimentos mútuos. A ponto de incluírem na mediação, além dos outros temas, outras pessoas, departamentos e técnicos, bem como representantes de comissões internas de ambos os lados. Este ambiente incentivou os participantes a abrirem planilhas e constituírem mini-comissões para debaterem aspectos não somente econômicos ou jurídicos, mas também a elaborarem estudos com critérios comuns e consensados na mediação para ajudar nos trabalhos sobre os debates de todos os vinte temas.


Percebeu-se a mudança do ambiente de desconfiança para de maior credibilidade entre todos, muito embora em alguns momentos se notasse a leitura das dificuldades de ambos os lados diante de opiniões de técnicos quanto a acatarem os pedidos formulados pelos integrantes do grupo de empresas e vice-versa. Este ambiente se manteve ao longo de todas as outras reuniões - ao todo foram 18 reuniões plenárias e 9 reuniões em separado ou em mini comissões durante um ano e meio. Foram feitos avanços mútuos onde pretensões de valores foram revistas. Negativas prematuras, por outro lado, foram aos poucos sendo derrubadas, promovendo entendimentos, que foram esboçados num possível acordo amplo que foi levado a efeito mesmo diante do temor com leituras futuras dos órgãos de controle externos que os entes públicos estão sujeitos.


Nenhum momento o mediador utilizou instrumentos avaliativos, estimulou permanentemente o diálogo inovador e diferente entre todos os participantes. Todos sem exceção reforçavam a satisfação em desenvolver sua autonomia plena, bem como serem reconhecidos em especial pelas suas diferenças, as quais sempre foram respeitadas. Esta trajetória foi possível graças à cooperação, informalidade e decisões responsáveis permanentemente desenvolvidas.


Pode parecer perda de tempo a longa duração desta mediação, no entanto o respeito mútuo, a disposição e a vontade de chegar a uma solução viável para todos foram fatores de convencimento mútuo entre representantes e técnicos que construíram conjuntamente entendimento possível para todos, numa perspectiva voltada para o futuro.


*Adolfo Braga Neto é mediador empresarial, escolar, familiar e comunitário, advogado, presidente do Conselho de Administração do IMAB - Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil, coautor dos livro “O que é Mediação de Conflitos" da Coleção Primeiros Passos da Editora Brasiliense – 2007 e “Mediação – uma experiência Brasileira, coorganizador do livro “ Aspectos Atuais sobre Mediação e outros Métodos Extrajudiciais de Resolução de Conflitos” da Editora GZ – 2012, autor do livro “ Mediação - uma experiência brasileira”da Editora CLA – 2017 e organizador do livro “Mediação Familiar a experiência da 3 Vara de Familia do Tatuape”- 2018.

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