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Os desafios para superar os obstáculos à Mediação


Foto Máscaras Kwakiutl

A OAB-RS, pioneiramente, em parceria com o Ministério da Justiça, apresentou, em 2007, um projeto para a implementação da primeira Casa de Mediação no Brasil dentro de uma entidade representativa da categoria dos advogados. A proposta previa a criação de um espaço institucional e social voltado à formação de mediadores e ao atendimento do público em geral (com renda até três salários mínimos). Inaugurada em 2011, iniciou suas atividades apenas no campo da formação de profissionais, atraindo não apenas advogados, mas profissionais de diversas áreas do ensino superior.

Já com um grupo formado, em 2011, a Casa de Mediação da OAB-RS começou os atendimentos. A ideia inicial foi a de atender não apenas à demanda da população em geral, mas também a de advogados em suas questões profissionais, estimulando-os, dessa forma, a lidar com suas próprias situações conflitivas com o auxílio de um mediador. O objetivo foi o de propiciar aos advogados, a partir de suas próprias vivências, uma compreensão mais fidedigna do processo de mediação, de modo a desfazer concepções equivocadas sobre o instituto. Em última instância, pretendia-se que, ao vivenciar a prática da mediação, os próprios advogados passassem a considerá-la um encaminhamento possível para alguns de seus clientes, em razão dos benefícios que ela proporciona às partes em conflito e dos ganhos para os advogados.

A experiência acumulada ao longo de uma década formando mediadores e acompanhando o seu trabalho com os usuários da Casa de Mediação OAB-RS permite não apenas a reflexão sobre os avanços conquistados no campo da mediação, mas principalmente sobre os obstáculos que ainda precisam ser superados.

A prática revela que existem ainda muitos desafios a serem enfrentados na superação de problemas relacionados ao uso da mediação, dentre os quais destacam-se a dificuldade de mudança dos paradigmas culturais relacionados à cultura do litígio, à formação jurídica inadequada dos advogados e à necessidade de aprimoramento contínuo na capacitação dos mediadores.

Em relação aos advogados, não se pode ignorar que as grades curriculares dos cursos acadêmicos ainda disponibilizam pouco espaço para a discussão de métodos autocompositivos, desestimulando a conscientização e, consequentemente, a utilização de práticas de mediação como recurso profissional legítimo, suficiente, inclusive, para que se estabeleçam critérios claros de remuneração aos advogados que acompanham os procedimentos dessa natureza. Nesse sentido, parece-nos fundamental que a Ordem dos Advogados, intensifique e estimule políticas da cultura da mediação no Brasil e a compreensão do papel relevante do advogado assistindo as partes na mediação, principalmente nas questões pertinentes às orientações jurídicas.

A solidificação de uma cultura da mediação, ainda incipiente no cenário brasileiro, tem início, necessariamente, com a conscientização dos advogados. Uma visão histórica sobre a trajetória da Casa de Mediação da OAB-RS permite constatar um considerável desconhecimento, por parte desses profissionais, sobre a forma adequada de valer-se da figura do mediador, bem como sobre o modo de conduzir-se em um tipo de interação essencialmente distinta daquela que se estabelece nos tribunais. Na mediação, a solução deve ser construída a partir de um diálogo no qual as partes têm protagonismo, colocando o advogado em uma posição distinta daquela com a qual está acostumado a ocupar.

O desconforto provocado por esse deslocamento de posições que tradicionalmente dominam o imaginário dos advogados e das partes, acabando por se transformar numa ideologia funcional, é, pelo menos parcialmente, responsável pela falta de compreensão de todos os envolvidos acerca de aspectos práticos, como a remuneração dos profissionais envolvidos. A lógica dos processos de mediação, em que as partes participam mais ativamente, produz a ilusão de que os advogados precisam trabalhar menos. Compreende-se que essa seja uma ilusão das partes, mas não pode ser a dos advogados, sendo estes os maiores responsáveis por esclarecer as especificidades jurídicas durante o processo de mediação, assim como as vantagens que um processo dessa natureza tem em relação aos modos tradicionais de abordar conflitos e solucionar litígios.

Em relação ao último aspecto, as vantagens, é preciso deixar claro que, em um cenário de tribunais abarrotados de trabalho, com processos que se arrastam por anos, consumindo tempo e energia de clientes e advogados, uma solução negociada entre as partes pode representar alguma economia (não apenas de dinheiro, mas de sofrimento também) para os primeiros, e um retorno financeiro rápido e vantajoso para os profissionais da advocacia.

Contudo, somente a conscientização e a compreensão desta realidade possibilitarão a cobrança de honorários justos, capazes de dar aos advogados e aos clientes a certeza de que a mediação não é, como muitos pensam, uma forma menos elaborada e ritualizada e, por isso, menos trabalhosa. A mediação é uma atividade complexa que possui seus rituais e procedimentos, é baseada em uma concepção de tratamento de conflitos em que o advogado é figura essencial, oferece resultados consideravelmente mais rápidos que os dos processos usuais, de modo que todos os profissionais envolvidos merecem remuneração compatível com o envolvimento e o grau de especialização exigidos para a condução adequada dos trabalhos.

Da parte dos mediadores também há desafios a serem enfrentados. Fim último da mediação, o acordo não deve estabelecer-se antes do delicado trabalho de desvelamento de expectativas, razões e sentimentos expostos pelas partes. O mediador deve compreender, portanto, que seu papel é o de permitir a produção, através do diálogo, de uma nova realidade que possa ser considerada vantajosa para todas as partes, ressignificando o conflito.

Para colaborar com esse processo, precisa exercer sua imparcialidade com o auxílio de técnicas de comunicação e negociação, sem, contudo, ficar distanciado do problema e sem apresentar a solução. Precisa também compreender, e aceitar com serenidade, a atuação dos advogados no processo como colaboradores negociais. Essa aproximação imparcial do mediador em relação às partes só não soa paradoxal quando se entende que no processo de mediação, a busca pelo conhecimento dos detalhes envolvidos na situação de conflito estabelecida deve ser efetiva, tanto pelos mediadores, quanto pelos envolvidos nesse processo.

A capacitação de profissionais para atuarem como mediadores não se esgota num treinamento envolvendo técnicas, mas exige ainda que se propicie a esses profissionais uma reflexão profunda e crítica do papel a ser exercido. Nos processos litigiosos que se resolvem pelas vias tradicionais, os advogados desconsideram por completo os aspectos emocionais presentes nos conflitos, ou os utilizam como estratégia de desestabilização.

A perspectiva da mediação é completamente outra, exigindo, principalmente dos advogados, uma compreensão de que, em um processo dessa natureza, a resolução prévia de conflitos afetivos pode ser tão valiosa para as partes quanto a de questões de ordem prática. Mais do que isso, muitas vezes, o apaziguamento das partes abre horizontes antes não imaginados, capazes de alterar substancialmente o cenário jurídico inicial da discussão.

É por essa razão que o interesse de profissionais de outras áreas pela mediação, como os da área de saúde mental, representa um ganho para a atividade, dado que esses novos mediadores podem, nas mais diversas instâncias de participação, acrescentar ao viés jurídico uma nova perspectiva, sensível ao aspecto central de qualquer conflito: o estado emocional das partes.

Por todas as questões aqui levantadas, apesar de uma década de história formando mediadores e fomentando a mediação como instituto imprescindível não apenas para desafogar os tribunais, mas também para promover maior bem-estar social, a efetiva consolidação da atividade ainda enfrenta desafios.

Esses desafios se multiplicam em uma sociedade como a nossa, fundada na ideia de sucesso competitivo, em que a vantagem de uns parece consistir, em grande parte, na desvantagem de outros (ganha-perde). A mediação parte de uma ideia substancialmente distinta, a de que é possível chegar a consensos vantajosos para todos (ganha-ganha), principalmente por resultarem de um envolvimento efetivo das partes na busca da resolução célere de questões que, de outra forma, perdurariam, causando considerável sofrimento. Essa possibilidade, no entanto, fica na dependência de que todos os envolvidos, independentemente da posição que ocupam, compreendam a mediação como um processo de superação pela empatia, o que não significa que as partes devam abrir mão do que entendem que seja expressão da justiça.

A falta de compreensão de apenas uma das partes acerca da nova forma de resolver conflitos representada pela mediação, agindo de modo inadequado, mais do que comprometer os resultados, afeta a credibilidade de todo o processo. Nada mais nocivo que levar ao descrédito o esforço para a construção de um modo novo, e revolucionário, de resolução de conflitos, não apenas pelos resultados que entrega, mas também pela mudança de cultura que pressupõe.

Não é por outro motivo que a aceitação da mediação como legítima prática dialógica não depende apenas da formação de mediadores – do que tem se ocupado a Casa de Mediação da OAB-RS –, mas ainda de um trabalho competente de conscientização de todos os operadores jurídicos, para que, em algum momento futuro, as reuniões com um mediador contem com a participação consciente e produtiva de todos os envolvidos no processo, reforçando uma prática que tem tudo para beneficiar.

Esse trabalho de divulgação e conscientização depende de uma ação orquestrada, envolvendo profissionais, órgãos representativos da categoria, órgãos de exercício das atividades do direito e instituições de ensino. É provável que essa união de esforços não se realize, ela própria, sem alguma mediação. Nesse caso, acredito, o candidato natural à função de mediador será a Ordem dos Advogados do Brasil. Tal iniciativa constituiria passo fundamental para tornar verdadeiramente viável a mediação no Brasil.

*Ricardo Cesar Correa Pires Dornelles

Mediador, Presidente da Comissão de Mediação e Práticas Restaurativas da OAB/RS, Coordenador da Casa de Mediação da OABRS, foi Vice-presidente da Comissão de Mediação e Conciliação do Conselho Federal da OAB na gestão 2016-2018.

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