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Qual é o diferencial da mediação em relação a outros métodos de gestão de conflitos?

Cada um de nós deve ter uma resposta para essa pergunta. E, provavelmente, todas as repostas são válidas. Está aí um primeiro ponto que me encanta na mediação: ela é coerente com a sociedade pós-moderna em que vivemos, a qual aceita (respeita e legitima) a diversidade de opiniões.


Até o final deste ensaio, espero compartilhar algumas ponderações, apresentando as minhas perspectivas sobre a questão-título.


Outro dia, conversando com um amigo advogado, doutor respeitado e grande jurista (talvez você, leitor, também conheça uma pessoa assim: inteligente, respeitada, mas que ainda não teve oportunidade de refletir sobre a proposta oferecida pela mediação)... como eu dizia: outro dia, conversava com esse amigo e ele me disse: “vocês, mediadores, são muito ‘paz e amor’; vocês vêem arco-íris no meio da tempestade; isso não resolve conflito”.


Perguntei ao meu amigo: “Você acha que as pessoas poderiam usar o diálogo como ferramenta para gerir seus conflitos?”. Essa pergunta abriu caminhos na reflexão...


Em quaisquer relações interpessoais, do mais simples namoro ao mais complexo contrato, da assembleia condominial à assembleia da ONU, as pessoas conversam e criam combinados. É o diálogo que constrói relações.


Pessoas casam-se e divorciam-se. Entendem-se e desentendem-se. Elas mesmas, pessoas capazes, atuam com livre-arbítrio e autodeterminação para desenvolver suas relações.


Durante o estado doloroso do conflito, as pessoas fecham-se em suas conchas (para protegerem-se) e ficam confusas (sem compreender muito bem seus próprios recursos, alternativas e metas). Esse estado de crise relacional degrada a possibilidade de uma conversa útil, funcional e produtiva. Uma vez que o conflito esteja instaurado, a ótica das pessoas, na nossa cultura, passa a ser polarizada e adversarial. O raciocínio das pessoas que vivenciam o conflito é, mais ou mesmos, assim: “ele” (o outro) está sempre errado e “eu” estou sempre certo. Não há conexão – não há espaço para o “nós”.


A desconexão é tão evidente, que é comum essas pessoas falarem, perplexas: “ele não me entende!”.


Há muitas metáforas para tratar dessa situação e a que mais deixa evidente, para mim, como estão as pessoas que passam pelo conflito é a de estarem “atoladas”. Imagino o carro preso na lama, com as rodas girando em falso, sem sair do lugar e sem perspectiva de sair.


Mesmo atolados, os mediandos nos dão oportunidades para apoiá-los na continuidade do diálogo.


Vamos lá, mediadores, com sensibilidade, a partir da fala de que os mediandos não se entendem, como poderíamos ajudá-los a moverem-se? A sequência da conversa pode ter infindáveis possibilidades, todas elas com suas ricas peculiaridades. São exemplos:


  • “Ora, isso significa que um dia vocês já se entenderam?”;

  • Vocês se lembram quando começou o desentendimento? O que foi que aconteceu entre vocês dois? E como você se sentiu?

  • “Quando você pede para ser entendido, o que é mais importante para você? O que você acredita que possa ser mais importante para o outro?”;

  • “O que você imagina que poderia falar, de alguma outra forma, para gerar maior compreensão?”;

  • “Como cada um de vocês tem sido afetado por esse conflito (por essa falta de entendimento)? Quem mais é afetado?”;

  • Observo que esse conflito incomoda bastante vocês. Que nome vocês dariam para ele?

  • Na lógica de vocês, vocês imaginam algum jeito racional de resolver a questão? Vocês pensam em algum critério (objetivo) que possa ajudá-los?”;

  • “Se tudo continuar como está, como vocês se imaginam daqui a dois anos? Vocês vislumbram uma outra história, na qual vocês colaborem para gerar entendimentos?”;

  • “Me diga, como você mesmo tem contribuído para que haja entendimentos e desentendimentos?”;

  • “De tudo que temos conversado (resumo), se vocês pudessem listar assuntos relevantes para conversar, que agenda vocês montariam? Vejam aqui na lousa: há assuntos subjetivos e assuntos mais objetivos. Sobre qual assunto vocês querem conversar primeiro?”;

  • “Que outras soluções vocês já tentaram? E se você estivesse no lugar da outra pessoa, que alternativas proporia resolver o conflito, de modo que vocês dois se sentissem atendidos?”;

  • “O que você está disposto a dar? Que contribuições você acredita que pode fazer para ajudar a melhorar a situação?”.


Sei que essas perguntas, exemplificadas aqui fora da dinâmica da mediação, podem parecer vãs. O que quero destacar é que, nos mais diversos contextos de mediação (facilitativa, transformativa, narrativa, circular-narrativa, CNV, etc.), o que nós, mediadores, fazemos é trabalhar com a matéria-prima relacional: o diálogo.


Reconstrução de clareza e de reconhecimento recíproco, vontade de criar uma nova narrativa comum, satisfação de interesses, abertura para a empatia – qualquer um desses propósitos é capaz de reconectar as pessoas consigo e com o outro. Supera-se, assim, a crise e estabelece-se uma comunicação funcional.


Através do diálogo, as pessoas podem escolher transformar a espiral degenerativa da crise conflitual em uma conversa regenerativa, funcional e útil, tanto para a relação, quanto para a gestão do conflito.


Uma amiga (esta é mediadora) lembrou-me, recentemente, da etimologia grega da palavra diálogo: dia+logos = através + conhecimento/razão. Faz bastante sentido, não faz?


Até aqui, já vejo uma possível resposta para a indagação-título deste ensaio: a mediação (em qualquer um de seus modelos) é capaz de ajudar as pessoas a reconectarem-se.


Ainda não me senti atendido com apenas essa resposta.


Continuei minhas reflexões e fui conversar com outro amigo sobre a mediação. Ele é juiz de direito. Um ótimo juiz! Ele foi assertivo: “Se as partes estão tão confusas e precisam de um terceiro para interferir na questão, é muito mais fácil, rápido e efetivo se este terceiro já der logo uma solução para elas”. E ele me interpelou: “Se a questão já é óbvia, por que você não sugere uma solução de uma vez?”


Mediando por aí, eu tenho aprendido porque a mediação é condizente com a pós-modernidade e com as ideias do construcionismo social. Este ensaio não se prestará a divagar sobre doutrinas e teorias. Eu correria o risco de perder a chance de uma prazerosa conversa com você, paciente leitor.


Ao mediar, se eu sugiro a minha solução ideal (além de perder a minha imparcialidade) estarei aplicando àquelas pessoas em conflito os meus valores e a minha lógica.


Tenho a crença na autodeterminação das pessoas: elas são as maiores experts para resolver suas questões.


No período tempestuoso do conflito, a relação interpessoal passa a ser destrutiva. As conversas da mediação ajudam os indivíduos a coconstruírem uma interação positiva. Sou apenas um facilitador da interação, a qual passa por um momento de crise.


No meu papel de facilitador, trabalho focado para aproveitar todas as oportunidades que surgirem na conversa, com o propósito de que as pessoas fortaleçam-se e considerem o ponto de vista de todos os envolvidos. Assim, por conta própria, esses indivíduos decidirão os rumos de suas vidas, de forma firme e sustentável.


Digo sustentável, porque, como nós mediadores aprendemos e praticamos, se as pessoas chegam por si (voluntariamente) a uma decisão consensual, se elas participam (conscientemente) da construção da decisão, cumprirão espontaneamente sua própria disposição de vontade.


A boa condução do processo de mediação, com respeito a seus princípios, além de ter o potencial de gerar essas soluções sustentáveis, conduz os participantes a perceberem sua autoimplicação: eles enxergam-se corresponsáveis pela relação, pela forma de interagir, pela situação que proporcionou o surgimento do conflito e pela resolução dele.


Se o mediador sugere resoluções, os mediandos não se sentem autoimplicados e têm retirados de si a potência e o protagonismo, enfraquecendo-se.


Por tudo isso, outra possível resposta para a pergunta-título do ensaio aparece para mim: a mediação legitima a autodeterminação dos indivíduos e possibilita a eles que recuperem suas responsabilidades (autoimplicação) pela resolução sustentável do conflito.


Agora é aquela hora que começo a me complicar: as Nove Meninas do Blog vão falar que estou escrevendo demais... peço um pouco mais de paciência, por favor!


Há pouco tempo, um grande professor contava que, ao entrar em uma sala de audiências no fórum, naquele clima puramente adversarial, sentia uma sensação ruim de que ninguém gostava de ninguém e de que ninguém gostava de estar lá: as pessoas entram acuadas, porque estão brigadas com a “parte contrária”; o advogado de uma parte não gosta do advogado da outra e quer derrotá-lo; o juiz assoberbado não gosta de ninguém e quer resolver rápido a questão para livrar a pauta.


O mediador, ao abrir suas portas para as pessoas, convida-as à colaboração; convida-as a sentirem-se bem, em um espaço seguro (por óbvio, a confidencialidade tem papel importante nesse sentimento de segurança – mas não é disso que falarei agora).


A mediação oferece este diferencial: a hospitalidade. Como um anfitrião, o mediador recebe os mediandos, demonstrando a importância do relacionamento para gerar um espaço de diálogo criativo. As pessoas são convidadas a participar voluntária e espontaneamente da mediação. Não são compelidas. São convidadas a interagir, a escutar e a falar.


É para gerar essa sensação de conforto, que os mediadores informam aos mediandos (desde a primeira conversa): “a mediação é voluntária e vocês podem encerrá-la a qualquer momento”. Nós mediadores cuidamos para que essa importante decisão (de retirar-se do processo) seja firme e consciente. E como bons anfitriões, mantemos as portas da mediação destrancadas, para que as pessoas (assim como entraram) possam sair livremente, sem que se sintam julgadas por isto.


Quando penso em conforto ou em acolhimento, também penso no respeito às opiniões diversas e ao momento que as pessoas atravessam. As conversas poderão ser difíceis (assumir as rédeas de suas próprias vidas não é tarefa fácil). A mim, mediador, cabe o dever de garantir um ambiente seguro para que todos manifestem-se, sem preocuparem-se com meus juízos de valor.


Assim, vejo que uma terceira resposta para a indagação-título poderia ser: o convite hospitaleiro ao protagonismo é um grande diferencial da mediação, quando comparada com outros métodos de gestão de conflitos.


Chego ao fim do ensaio (que será revisitado para um constante aprimoramento) e agradeço a todos que me ajudaram a escrevê-lo: aos professores e professoras, aos parceiros e parceiras de mediação, aos amigos e amigas, e a todos os mediandos.


E quanto a você, leitor: Qual é o diferencial da sua mediação?


*Flávio Faibischew Prado é mediador de conflitos formado pela AASP, com formações em Mediação Transformativa pelo Mediativa e pelo IMAB. Mediador Certificado ICFML com formação em Negociação pela FGV. Facilitador e capacitador em Práticas de Justiça Restaurativa pelo IIRP e Justiça em Círculo. Graduado em Direito pela USP. Advogado com especialização em direito processual civil e capacitado em Práticas Colaborativas Interdisciplinares em Direito de Família pelo IBPC.

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