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Relações familiares: prevenindo e preservando por aí



Tudo começou com um lugar comum: a indicação de uma pessoa que nos conhecia profissionalmente. No contato inicial, uma das partes de um jovem casal informou que ambos os cônjuges gostariam de agendar um primeiro encontro de mediação.


Constituímos uma dupla interdisciplinar, visando realizar um atendimento privado em local neutro. Nada sabíamos acerca da situação vivenciada pelo casal ou de sua motivação para nos procurar, o que nos pareceu muito atraente. Sem prejulgamentos, iríamos construir com os mediandos os rumos do processo de mediação, a partir das questões que eles nos trouxessem.


A pré-mediação revelou que Jaqueline e Fernando[1] eram profissionais estabelecidos em suas respectivas áreas de atividade. As narrativas preliminares evidenciaram divergências e desentendimentos: ambos tinham queixas mútuas e expectativas frustradas, porém o conflito não estava escalado. Por outro lado, no âmbito dos aspectos convergentes apresentados pelos mediandos, chamou a nossa atenção o fato de que eles valorizavam de forma significativa a parceria que tinham construído.


Uma vez realizada a troca inicial de informações relativas à proposta da mediação e ao contexto fático envolvendo os mediandos, foi-lhes oferecido um intervalo para que pudessem conversar e decidir se gostariam de dar continuidade ao procedimento.


Esse foi também um momento importante para a nossa reflexão como mediadoras, tendo em vista, principalmente, duas perguntas que dirigimos a nós mesmas: (i) tínhamos recursos técnicos que beneficiassem o casal?; (ii) cabia conduzirmos uma mediação familiar?


Em face da escuta atenta às falas de Jaqueline e Fernando e da observação cuidadosa da forma dos mediandos se relacionarem, respondemos afirmativamente a tais questionamentos. Concluímos, também, que tínhamos um belo e interessante desafio, que envolvia mediar um conflito conjugal com baixo grau de intensidade.


Criar condições para que Fernando e Jaqueline buscassem novos caminhos e ajudá-los na trajetória de desenvolver e manter um diálogo franco e construtivo entre si nos pareceu muito promissor, tanto para evitar que o conflito ganhasse maiores proporções quanto para fortalecer os vínculos positivos entre si, que existiam e eram prezados por eles.


Os mediandos ligaram da rua, onde tinham ido tomar um café, e nos informaram que gostariam de dar continuidade ao procedimento. A confiança na mediação tinha sido construída e as expectativas - deles e nossas - se alinharam: bingo!


Os atendimentos seguintes ocorreram no domicílio do casal, o que mostrou ser um espaço produtivo e funcional para realizar as reuniões privadas e conjuntas.


Com uma postura empática e acolhedora ao mesmo tempo que curiosa e interrogativa, buscamos conduzir o diálogo de modo que os mediandos refletissem sobre si, sobre o outro e sobre diferentes tópicos envolvidos na desavença. Fernando e Jaqueline puderam, então, expressar e escutar o que era importante e necessário para cada um.


Assim, crenças, sentimentos, valores, interesses e necessidades – vinculados a suas vivências e inscritos na memória – se tornaram presentes durante a mediação. O processo reflexivo, em seu movimento passado/presente, possibilitou aos mediandos ter consciência de que existiam questões em comum, complementares e divergentes.


Foi importante percebermos que, ao longo das reuniões, Jaqueline e Fernando tinham tecido uma série de fundamentos para sua convivência. Em pauta, verdadeiras premissas, para preservar aspectos da vida em comum que estimavam e lhes traziam satisfação, bem como para indicar novos caminhos que os beneficiariam por virem de encontro àquilo que lhes causava mal-estar.


E o que dizer do futuro? Os mediandos foram estimulados a proporem iniciativas que pudessem lhes propiciar bem-estar de forma sustentada no porvir. Assim, provocou-se o processo reflexivo em seu movimento prospectivo.


Em busca de garantir harmonia e satisfação mútua, Jaqueline e Fernando negociaram e colaboraram na construção de um conjunto de compromissos, articulados de maneira ampla e flexível com suas proposições iniciais.


Ancorada no processo reflexivo dos mediandos, a mediação desenvolveu características preventivas e preservativas, evidenciando eficácia no contexto das relações familiares. Nesse sentido, foi possível evitar o agravamento dos desentendimentos, redirecionando a interação dos cônjuges de uma trajetória adversarial e destrutiva para uma exploração cooperativa e empática de suas diferenças, em prol do resgate e da proteção ativa da vibração positiva no cotidiano do casal, o que originalmente caracterizava sua união.


O alinhamento das expectativas de mediandos e mediadores propiciou satisfação em todos. De um lado, a mediação favoreceu mudanças positivas na dinâmica familiar do casal, gerando bem-estar em Jaqueline e Fernando, ao evitar o agravamento do conflito e preservar sua consagrada parceria.


De outro lado, lidar com o desafio trazido pelos mediandos foi para nós uma experiência prazerosa. Trabalhar o duplo viés da prevenção e da preservação em uma situação de conflito conjugal com baixo grau de intensidade nos permitiu, como mediadoras, abrir novas e favoráveis perspectivas para a atividade de mediar no contexto das relações familiares.


Intervir tecnicamente no sentido de incentivar o processo reflexivo de um casal vivenciando um conflito pouco escalado resultou em premissas como tese, compromissos como antítese, bem como transformações na relação sustentadas em preservação e prevenção como síntese. Esse fazer qualifica uma possibilidade em Mediação Familiar? Tudo indica que é por aí!


* Eva Jonathan - Como psicóloga e mestre em psicologia social, percorreu caminhos na academia universitária que resultaram em diversos trabalhos publicados, especialmente no âmbito do empreendedorismo feminino. Encontrou na mediação de conflitos uma área de síntese tanto para a docência e pesquisa quanto para a atuação em prol da convivência social harmoniosa nas famílias e nas comunidades. Certificada pelo MEDIARE e pelo TJ/RJ (Mediadora Judicial Sênior) e capacitada em Práticas Colaborativas no Direito de Família, foi cofundadora do Grupo Interdisciplinar de Mediação de Conflitos (PUC-Rio), atuando também como Mediadora-Supervisora do MEDIARE e Coordenadora Adjunta do Setor Comunidades. Publicou artigos no contexto da mediação de conflitos e é coorganizadora do livro “Mediação de Conflitos para Principiantes, Praticantes e Docentes”. De forma complementar, dedica-se à arte da cerâmica.

[1] Nomes fictícios.

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