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Onde estamos?

Cristiane Dias Carneiro*


Você aceitaria um convite feito em javanês por um desconhecido para conhecer um lugar completamente diferente do que está acostumado? Provavelmente, não, né!? Pois é... É assim que vejo um pouco o nosso convite inicial para os mediandos.


Queria compartilhar aqui algumas impressões... Da mesma forma que procuramos por referências de um lugar ou produto que não conhecemos, os futuros mediandos também procuram. O que é isso? Funciona? Qual benefício que eu teria? Como isso melhoraria o meu relacionamento? Quantas pessoas fazem acordo? Quantos foram cumpridos? Qual o meu custo X benefício? Perguntas naturais que fazemos diante do desconhecido.


Para essas respostas, precisamos de pesquisas. Pesquisam que corroborem tudo aquilo que nós (os convertidos pela mediação) tanto falamos e acreditamos. Nós já estamos encantados pela mediação, seus benefícios e suas características, mas nós vivemos em uma cultura de judicialização, de litígio, em que a necessidade de “ter razão” é muito forte. O Poder Judiciário encerrou 2020 com 75,4 milhões de processos[1], e um percentual de 9,9% de sentenças homologatórias de acordos. Como esperamos mudar isso sem dados convincentes?


Por que essa diferença tão grande? Por que as partes preferem uma decisão do juiz a um acordo? Quantas vezes, mesmo após uma sentença judicial/arbitral, houve a necessidade de um acordo para o seu cumprimento? Quantas vezes a decisão do juiz/árbitro não encerrou realmente o conflito? Qual a opinião das pessoas que já vivenciaram uma mediação? Participariam novamente? Por quê?


Aprendemos na mediação que o “porquê” é importante. Na verdade, essencial para identificarmos as questões e aquilo que não é dito, mas sentido. Todavia, não o usamos com frequência fora da mesa de mediação para entender o impacto do instituto hoje.


Temos poucas pesquisas de campo feitas sobre o tema. Não sabemos como esses benefícios e características são sentidos/vistos no Brasil. Acreditamos neles com a mesma força que acreditamos naquilo que nos conforta, mas como é a nossa realidade? Não temos esses dados, ou, se temos, não são conhecidos. Dados são necessários para mudar cultura. Para quebrar paradigmas. Falamos muito em “mudança de paradigma”, mas como mudar sem saber como é a nossa realidade? Como mudar sem saber para onde queremos ir? O Código de Processo Civil (Lei nº 13.125) de 2015 está recheado de artigos que estimulam a mediação (e outros meios adequados de resolução de conflitos). Qual o impacto disso? Já houve alguma melhoria? Nas ações de família, em que a mediação é obrigatória, tem funcionado? Sim? Não? Por quê? Não sabemos ainda o reflexo disso.


Esperamos por muito tempo a Lei da Mediação (Lei nº 13.140/2015) com a esperança de que ela impulsionasse a mediação. Impulsionou? Como? Qual o percentual? Também não sabemos. Pelo contrário, os dados do Conselho Nacional de Justiça mostram um número ínfimo de acordos[2]...


Se você estiver pensando que pesquisa dá trabalho, você tem razão. rs... mas também é muito emocionante... Não, você não precisa estar cursando um mestrado ou doutorado, ser um acadêmico/professor para fazer uma pesquisa. Você só precisa gostar, ser curioso e se aventurar. Hoje, com as facilidades tecnológicas que temos, o compartilhamento de um simples link revela um formulário poderoso repleto de dados escondidos.


Deixo aqui meu convite carinhoso para pensarmos nos dados que são importantes para que possamos ajudar na propagação da mediação, para que possamos, de fato, colaborar nessa mudança de paradigma que tanto acreditamos. E isso deve começar conosco, não? Os convertidos! Repensando os nossos próprios paradigmas e fazendo o que esperamos dos mediandos: se aventurem ao desconhecido. “Vambora” pesquisar!


* Cristiane Dias Carneiro - Doutora em Administração Empresarial pela Rennes School of Business. Mestre em Direito e Economia pela Universidade Gama Filho. Advogada no Rio de Janeiro. Autora de artigos sobre arbitragem e mediação. Professora convidada no LLM em Direito do FGV Law Program. Mediadora certificada pelo ICFML - Instituto de Certificação de Mediadores Lusófonos


[1] O Poder Judiciário finalizou o ano de 2020 com 75,4 milhões de processos em tramitação, aguardando alguma solução definitiva. Fonte: Justiça em Números 2021, p. 102. https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/relatorio-justica-em-numeros2021-12.pdf. [2] [o] percentual de sentenças homologatórias de acordo, comparativamente ao total de sentenças e decisões terminativas proferidas. Em 2020, foram 9,9% sentenças homologatórias de acordo, valor que reduziu nos últimos anos após o crescimento registrado em 2016. Na fase de execução, as sentenças homologatórias de acordo corresponderam, em 2020, a 4,7%, e na fase de conhecimento, a 15,8%. Fonte: Justiça em Números 2021, p. 192. https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/relatorio-justica-em-numeros2021-12.pdf.

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