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Um outro jeito de mediar

Livia Caetano*


O frio gelado do amanhecer começava a diminuir com o sol, que entrava mansamente pela janela do trem que me levava à Universidade de Luxemburgo, onde aconteceria a X Conferência do Fórum Anual de Mediação. Era julho de 2019 e diversos mediadores vindos de muitos países, como Argentina, Bélgica, Brasil, Canadá, Chile, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Luxemburgo, Portugal, Suíça, entre outros, encontraram-se para ouvir as novidades mais recentes sobre o desenvolvimento da Mediação pelo mundo.


Entre as Conferências apresentadas, uma das que mais chamou a minha atenção foi a de Audrey Belge**, uma profissional belga, que mediava com narração de histórias. E ela trouxe seu caderno grande e grosso, repleto de histórias, para mostrar aos presentes. Em seguida, disse: “A Mediação é uma escuta sensível. Ouça, reconheça a complexidade das situações humanas, dê-lhes significado”. Enquanto a ouvia, eu pensava na importância da escuta ativa qualificada. Uma escuta atenta e plural dos valores que nos ligam à vida. Pensava em como seria dar significado a situações de outras culturas. Meu pensamento parecia um grande balão em sobrevoos por lugares estrangeiros.


Voltei a me concentrar na palestra quando a mediadora belga provocou o público com estes questionamentos interessantes: “A Mediação é um saber criativo ou é uma capacidade que o mediador possui de olhar diferente?”; “Ou ainda: a Mediação é o poder de estimular a criatividade dos mediandos?”.


Mal tive tempo de responder internamente e a mediadora já trouxe um exemplo de como explica aos mediandos os ruídos de comunicação, que podem interferir no desenvolvimento de um bom diálogo – ela tem o hábito de apresentar metáforas como uma arte de contornar impasses advindos de interferências nas conversas!


Fiquei curiosa para saber mais e, dentro de um breve estudo que fiz, percebi que a metáfora abre portas para os vários níveis de significado de uma situação. Ao tempo em que a metáfora pode levar para longe de uma realidade, em algum lugar pode aproximar da realidade.


O exemplo dado pela mediadora belga era a história da Chapeuzinho Vermelho (em francês: Le Petit Chaperon Rouge – este comentário parece esnobe, mas fará sentido saber daqui a pouco) que, uma vez, pediu a algumas pessoas para contá-la. O resultado foi que ela ouviu, pelo menos, três versões diferentes: uma na qual o lobo mata e come a vovó; uma outra na qual aparece um caçador, que mata o lobo e salva a vovó; e uma terceira versão, que surgiu da má compreensão auditiva, pois ao invés de ouvir Le Petit Chaperon Rouge, a pessoa ouviu Le Petit Chapeau Rond Rouge, que é a história de um chapeuzinho redondo vermelho. Nesta história, a vovó atropela o lobo, leva-o ferido para a sua casa e sai para achar um veterinário. A menina que usava Le Petit Chapeau Rond Rouge chega, vê o lobo na cama da vovó, pensa que ele a comeu e tenta matá-lo. Mas o lobo é salvo pela vovó, que retorna a casa. Fica claro, então, como é possível haver ruídos na compreensão de um simples pedido.


E assim, entre muitos exemplos, Audrey Belge compartilhou seu jeito de mediar, com foco na transformação da percepção do conflito e na consciência da existência de ruídos na comunicação, tanto por meio da criatividade e da reflexão quanto de metáforas e contos.


Eu gostei desse jeito de mediar. E você?


* Livia Caetano é advogada graduada pela UFRJ, pós-graduada em Direito das Famílias, presidente da Comissão Especial de Práticas Colaborativas da OAB/RJ – triênio 2019 a 2021, capacitada em Práticas Colaborativas pela International Academy of Collaborative Professionals – IACP, docente do Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas – IBPC, membro da Comissão de Mediação do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, coordenadora do grupo de estudos da Comissão de Práticas Colaborativas da OAB/RJ, coautora e coordenadora dos livros de Práticas Colaborativas da Comissão de Práticas Colaborativas da OAB/RJ, corredatora da cartilha da Comissão de Práticas Colaborativas da OAB/RJ, associada ao Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas – IBPC, associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, mediadora judicial formada pelo TJRJ, consteladora familiar, autora de artigos jurídicos, conferencista internacional, palestrante de Práticas Colaborativas.


** O nome é fictício, em razão da proteção de dado pessoal, de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

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